A justiça espanhola decidiu a favor de um neto que tinha sido deserdado pelo avô, depois de este alegar abandono familiar e deixar toda a herança às vizinhas que o acompanharam nos últimos anos de vida. De acordo com o Noticias Trabajo, site espanhol especializado em assuntos legais e laborais, a Audiência Provincial de Barcelona concluiu que não existiam provas suficientes de que a rutura familiar tivesse sido culpa do neto, reconhecendo‑lhe assim o direito à parte legítima da herança.
A decisão reverte uma parte do testamento feito em 2019, no qual o avô excluía tanto a filha adotiva como o neto, justificando que ambos o teriam afastado após a morte da esposa, em 2014.
Este relato foi determinante para que o testador deixasse os seus bens às vizinhas que o apoiaram naquele período. A sentença agora conhecida altera apenas o impacto sobre o neto, mantendo válida a deserdação da filha.
Um testamento marcado por mágoas e acusações
Segundo o Noticias Trabajo, o avô afirmava sentir‑se rejeitado e emocionalmente abandonado pela filha e pelo neto, alegando que ambos cortaram contacto durante anos, apesar de viverem no mesmo bairro. No documento testamentário, descreveu o neto como alguém que o teria evitado de forma consciente e dolorosa, sem mostrar qualquer iniciativa para restabelecer a relação. Porém, a Audiência Provincial sublinhou que, quando ocorreu a rutura (2014), o neto era menor de idade e não foram apresentadas provas suficientes de que a ausência de contacto fosse exclusivamente imputável a ele.
Tribunal distingue responsabilidades entre mãe e filho
A Audiência Provincial distinguiu de forma clara o comportamento da filha e o do neto. No caso da filha, os magistrados consideraram provado um afastamento voluntário, com base em depoimentos e registos (médicos e sociais) que descrevem uma postura distante, hostil e interessada. Já quanto ao neto, os juízes concluíram que a ausência de contacto não ficou demonstrada como sendo exclusivamente imputável a ele: requisito essencial para validar a deserdação prevista no Código Civil da Catalunha.
Provar a causa é decisivo para manter a deserdação
A decisão recorda que o ônus da prova cabe a quem pretende sustentar a deserdação. Nos termos do art.º 451‑20 do Código Civil da Catalunha, se o legitimário deserdado impugnar a causa, a prova de que ela existia cabe ao herdeiro. No caso analisado, essa prova foi insuficiente no que respeita ao neto, pelo que este recupera a legítima.
Quem paga a legítima
A herança deixada às vizinhas terá de integrar a parte legítima do neto. No caso, a Audiência condenou uma das herdeiras, Mercedes, a pagar‑lhe o valor correspondente à legítima.
A decisão não é definitiva
A sentença não transitou em julgado e admite recurso de cassação, que, em matéria de direito civil catalão, corre prioritariamente no Tribunal Superior de Justiça da Catalunha (TSJ‑Cat). Até lá, como explica o Noticias Trabajo, mantém‑se o reconhecimento do direito do neto à legítima.
E em Portugal?
Se uma situação semelhante ocorresse em Portugal, o desfecho poderia ser parecido quanto ao resultado (proteger a legítima), mas por fundamentos diferentes. Ao contrário da Catalunha, onde existe uma causa legal específica para a falta de relação familiar, Portugal aplica o Código Civil português, que estabelece causas taxativas e restritas para a deserdação dos herdeiros legitimários (art.º 2166.º).
As causas válidas de deserdação (Portugal) são excecionais
O art.º 2166.º prevê três situações:
– condenação por crime doloso contra o autor da sucessão (ou cônjuge/ascendentes/descendentes/adotante/adotado), com pena superior a 6 meses;
– denúncia caluniosa ou falso testemunho contra essas pessoas;
– recusa injustificada de alimentos ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge.
O “abandono afetivo/moral” não é causa autónoma de deserdação no direito português.
A prova e a impugnação em Portugal
A causa deve constar expressamente do testamento e é suscetível de controlo judicial. A impugnação da deserdação (por inexistência da causa) caduca aos 2 anos a contar da abertura do testamento (art.º 2167.º).
E se o neto fosse menor, como no caso espanhol?
Em Portugal, a (in)existência de culpa do menor por “abandono” não é relevante para a deserdação, porque essa causa não existe na lei portuguesa. Já quanto ao direito do neto a herdar por representação, este subsiste se a mãe for validamente deserdada (efeitos pessoais da deserdação não afetam os descendentes do deserdado).
A parte legítima em Portugal
A legítima do neto depende da existência de filhos do testador. Se a mãe tiver sido deserdada com sucesso, o neto herda por representação; a quota concreta varia por lei, mas é obrigatória e não pode ser eliminada por testamento.
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