Luís Dias não conhece bem a zona de São Bento, em Lisboa. Deu umas voltas ao quarteirão para encontrar um sítio que lhe parecesse seguro. “Aqui acho que é o menos mau”, diz ao Expresso sentado num banco de jardim ao lado da Assembleia da República. A seu lado tem um tenda por montar e um saco de cama por estender. Ainda é meio da tarde e o sol já deixou de chegar ali, fica tapado por um prédios altos. “Está a ficar cá um frio”, diz o agricultor que esta sexta-feira voltou a entrar em greve de fome, um protesto para salvar a Quinta das Amoras.
“Não me resta outra opção. Vamos ver o que acontece. São oito anos em que tudo se arrasta e isto não é vida. Se fosse só a Maria José [co-proprietária da quinta] nesta luta, ela já tinha desistido mas como eu não tenho mais nada para fazer vou insistir, porque o objetivo deles é fazer-nos desistir”, continua.
Metade da quinta foi destruída em 2017 por uma tempestade e, para reparar os danos causados, Luís candidatou-se a fundos europeus – a reconstrução foi avaliada em 120 mil euros (40 mil de investimento próprio e 80 mil de fundos europeus). O agricultor fez o pedido à Direção-Regional de Agricultura e Pescas do Centro, mas a instituição recusou. O casal recorreu da decisão e chegou a levar o caso à Provedoria de Justiça, que lhes deu razão. O relatório da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território aponta responsabilidades ao Estado, considerando que a Direção-Regional não devia ter negado os fundos. No entanto, o dinheiro nunca foi entregue.
Uma segunda tempestade destruiu por completo as estufas. “A fatura disparou para 240 mil euros, 100 mil nossos e 140 de fundos europeus”, refere Luís. Desde então, “as plantas morreram, tudo se degradou”. A produção parou.
A tarde aproxima-se do fim e Luís tem de preparar o abrigo onde vai passar a noite. Dirige-se junto dos polícias que estão à entrada do Parlamento e pede-lhes autorização para erguer a tenda naquele jardim. Ali afinal não podia ser e levaram-no para a frente do Parlamento e indicaram que a única solução seria ficar do outro lado da rua, em frente à escadaria, um local que já está ocupado por um outro protesto. “Neste jardim não posso porque os protestos e manifestações têm de ser feitos a 100 metros do edifício. A solução que me deram foi ir para o meio dos antivacinas que estão do outro lado. Mas para lá não vou. Era o que me faltava agora no meio disto tudo apanhar covid”, diz.
A única solução – e Luís Dias não sabe “se será possível” – é subir até à porta da residência oficial e ver se o parque que ali se encontra cumpre a distância mínima necessária. Luís põe a mochila às costas e pega nos dois sacos. O caminho não é longo mas é a subir. O agricultor dirige-se aos polícias que guardam a entrada do Palácio de São Bento. O ‘não’ não é imediato. Para lá do candeeiro, Luís pode protestar. “Até fico melhor aqui que o meu carro está aqui já perto e se não aguentar o frio posso ir para lá.”
“Nós somos as vítimas aqui, mas somos tratados como os vilões da história. Há relatórios que nos dão razão. Eu só ainda não fiquei sem casa por causa da covid”, diz ainda, referindo-se à medida que impediu os despejos durante a pandemia. “Vão penhorar a casa da Maria José, os carros, a quinta, temos as contas no banco congeladas. O que vamos fazer? Tudo isto por causa de um erro do Ministério da Agricultura. E sabem que temos razão, até nos pedem desculpa mas não resolvem”, critica.
“Julguei que finalmente ia ter paz e que tudo estava resolvido mas não”
Luís Dias
De acordo com Luís Dias, um dos relatórios chega até a apontar um funcionário da Direção-Regional de Agricultura e Pescas do Centro como responsável pela falha processual. “Dizem-nos que apanhamos uma pessoa que já tinha tido há muitos anos problemas com amoras”, conta. A pessoa em causa, acrescenta, continua em funções naquele organismo.
Perante o protesto, o Expresso contactou o gabinete do primeiro-ministro, que assegurou estar a acompanhar o caso. Horas depois, fonte oficial acrescentou que a situação já estava a ser analisada e que previa convocar uma reunião com Luís Dias e Maria José Santos no início da próxima semana. Entretanto, Luís Dias garantiu ter sido chamado para um encontro já esta sábado, com um representante do gabinete do primeiro-ministro.
No ano passado, Luís esteve em frente ao Palácio de Belém e, quando pôs fim à greve de fome ao 28.º dia, tinha avisado que voltaria ao protesto caso nada se resolvesse. Na altura foi-lhe assegurado que a situação ia ser investigada e em novembro chegou o relatório dessa mesma investigação. Uma vez mais era dada razão aos proprietários da Quinta das Amoras. “Julguei que finalmente ia ter paz e que tudo estava resolvido mas não.”
Esta semana, o casal foi chamado para uma reunião com o secretário de Estado da Agricultura. “Chamaram-nos para propor reduzir o tamanho da nossa quinta e assim ser mais fácil investirmos na reconstrução. Nós? Nós é que temos de encontrar meios para reconstruir aquilo que os funcionários do Estado destruíram? Foi a coisa mais surreal, louca e doentia a que já assisti”, relatou Luís ao Expresso pouco depois de sair do encontro. A proposta apresentada é reconstruir “só um hectare” (um quarto do terreno), sendo-lhes atribuído “um quarto dos fundos”.
Em resposta à Lusa, o Executivo confirmou o encontro e diz que o financiamento de 140 mil euros vai estar disponível “até a beneficiária decidir pela sua utilização”. Ainda assim, o valor disponibilizado agora pelo Governo não é suficiente. Sem ter capacidade de reconstruir e produzir, o agricultor estima que os prejuízos tenham ultrapassado significativamente os 240 mil euros. “Esperam que sejamos nós a pagar. Como? Não faço ideia.”
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL