Quem nunca ouviu alguém referir-se a “dez mil réis” ou recorda com nostalgia os tempos em que “dois contos” eram uma verdadeira fortuna? Ao longo dos últimos cinco séculos, o sistema monetário português passou por várias transformações, com o real, o escudo e, mais recentemente, o euro, a marcar diferentes épocas e gerações. Cada moeda trouxe consigo uma nova forma de calcular e, para muitos, uma mudança na percepção do valor do dinheiro. Neste artigo, que conta com a colaboração do Ekonomista, revisitamos estas três fases da história monetária de Portugal e analisamos o que algumas dessas expressões e valores significariam hoje.
O real: a moeda dos nossos avós
O real, que, no plural, se dizia “réis”, foi a moeda corrente em Portugal durante mais de três séculos, desde o final da II dinastia até à Implantação da República, em 1910. Utilizado desde o século XV, o real deixou um legado cultural e linguístico profundo no vocabulário português, com expressões como “tostão”, “cruzado” e “contos de réis” a perpetuarem-se na linguagem popular.
Muitas destas expressões, sobretudo os “contos”, continuaram a ser usadas mesmo após o desaparecimento do real. Um conto de réis representava uma quantia considerável, equivalente a mil réis. Por exemplo, dois mil réis, ou dois contos, eram frequentemente referidos como “dois mérreis”, numa curiosa junção linguística que tornou a moeda e as suas denominações uma parte indissociável do quotidiano português.
Com a chegada da República, o real deixou de circular, mas continuou a ser parte do imaginário de várias gerações, mesmo durante o período do escudo. É comum ouvir os mais velhos recordarem com saudade os tempos em que mil réis tinham um valor significativo, muito diferente do que qualquer moeda atual pode representar.
O escudo: da Revolução Republicana ao euro
O escudo foi introduzido oficialmente em 1911, um ano após a Implantação da República, para substituir o real. Cada escudo equivalia a mil réis, e essa conversão matemática manteve muitas das expressões herdadas da época do real. As pessoas passaram a referir-se à moeda de 2$50 como a moeda “de dois e quinhentos” e, não raras vezes, a velhinha expressão “contos” continuava a ser usada, agora para designar mil escudos.
Apesar da sua introdução oficial no início do século XX, o escudo já tinha sido usado pontualmente em Portugal durante o reinado de D. Duarte, no século XV. No entanto, foi apenas em 1911 que se tornou a moeda oficial do país, mantendo-se até à sua substituição pelo euro em 2002. Durante este período, várias gerações de portugueses cresceram a lidar com escudos e centavos, e a moeda tornou-se, para muitos, sinónimo de estabilidade, mesmo nos tempos mais conturbados da história do país.
Com o escudo, veio também uma distinção interessante entre as diferentes moedas. A moeda de 100 escudos, por exemplo, era conhecida como “escudo-ouro”, enquanto as de 10, 20 e 50 centavos eram feitas de prata, e as mais pequenas, de 1, 2 e 4 escudos, de níquel e bronze. Esta diferenciação de materiais ajudava a identificar o valor facial das moedas, uma prática que se manteve até à extinção do escudo.
Apesar de ter sido o sistema monetário mais duradouro do século XX, o escudo acabou por ser substituído em 2002, após a adesão de Portugal à zona euro. Ainda assim, muitos portugueses recordam com saudade as moedas de escudo, sentindo até hoje que com 100 ou 200 escudos no bolso, podiam comprar muito mais do que os atuais valores em euros permitem.
O euro: uma nova era, mas com desafios
O euro foi introduzido em Portugal no início de 2002, marcando uma nova fase na história financeira do país. À entrada em circulação, um euro valia 200$482 escudos, uma conversão que, no papel, parecia simples, mas que, na prática, trouxe desafios para muitos. A transição de escudos para euros gerou confusão em várias famílias, sobretudo nas mais habituadas ao sistema anterior.
Muitos portugueses viram-se a fazer conversões mentais constantemente, e o fenómeno dos preços inflacionados logo após a adoção do euro gerou uma sensação generalizada de perda de poder de compra. Produtos que custavam 200 escudos passaram a custar 2 euros, numa conversão que, na prática, duplicava os preços para o consumidor final, embora o valor real do euro fosse significativamente superior ao do escudo.
Apesar destas dificuldades iniciais, o euro consolidou-se como uma das moedas mais fortes do mundo, competindo com o dólar e a libra esterlina. Contudo, as disparidades económicas entre os diferentes países da União Europeia continuam a ser um desafio. Para muitos, o euro tornou-se também um símbolo da integração europeia, representando a unidade entre os países do bloco.
Quanto valeria hoje um conto de réis?
Uma pergunta recorrente é: quanto valeria hoje um conto de réis?. Para responder a esta questão, começamos com uma conversão simples. Sabemos que, à entrada em circulação, um escudo valia um conto de réis, e que um euro, por sua vez, valia 200$482 escudos. Assim, podemos calcular que um escudo seria equivalente a aproximadamente 0,005 euros e, portanto, um conto de réis valeria o mesmo.
No entanto, esta conversão direta não considera fatores como a inflação ou o valor colecionável que as antigas moedas podem ter. Em muitos casos, o valor sentimental ou o valor numismático de uma moeda pode ser superior ao seu valor original, sobretudo se for rara ou feita de metais preciosos.
Se ainda tiver réis ou escudos guardados em casa, saiba que pode sempre trocá-los até 2022, já que os bancos centrais são obrigados a aceitar a troca de moedas antigas durante um período de 20 anos após a sua retirada de circulação. Caso contrário, poderá guardá-las como recordação de uma época em que “dois contos” eram uma verdadeira fortuna.
A história do dinheiro em Portugal é um testemunho das várias fases por que o país passou, desde o tempo dos reis até à modernidade da União Europeia. Cada moeda trouxe consigo uma nova forma de ver o mundo, mas também uma ligação emocional que perdura até hoje, com muitos a recordarem com saudade o tempo dos réis ou dos escudos. Afinal, não é o valor facial que define a importância de uma moeda, mas sim o seu lugar na história e na memória coletiva de um povo.
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