
Em 1443 ocorreu no Algarve um dos episódios mais marcantes da sua história: o desembarque e venda como escravos em Lagos do primeiro grande carregamento de cativos africanos trazidos para a Europa na Era Moderna.
Desde esse momento, relatado pelo cronista Zurara na sua ‘Crónica da Guiné’, foi-se construindo todo um conjunto de factos e de lembranças, que fizeram de Lagos um lugar incontornável na rota da escravatura e do tráfico negreiro de um mundo progressivamente globalizado mas que se entranharam indelevelmente na memória local.
Em 2008 ocorreu em Lagos uma das mais importantes descobertas arqueológicas deste século: uma enorme lixeira formada entre os séculos XV e XVII com os resíduos urbanos da cidade dos Descobrimentos mas na qual tinham sido depositados, ao longo de sucessivas gerações, os corpos de cativos trazidos da África subsaariana e que, ao falecerem, para ali eram arrojados como coisa inútil, sendo só ocasionalmente tratados como seres humanos.
Este registo constitui o mais antigo testemunho material de um lugar de enterramento de escravos africanos em solo europeu.
Em torno desta descoberta e das memórias do tráfico negreiro, decidiu o Município de Lagos constituir um dos núcleos do seu Museu Municipal Dr. José Formosinho, instalando-o no emblemático edifício conhecido como ‘Mercado de Escravos’ – na verdade, o edifício da antiga Vedoria, onde mais tarde funcionou a Alfândega – e dedicando-o inteiramente às histórias e memórias de ‘Lagos na Rota da Escravatura’. A Direção Regional de Cultura do Algarve foi então convidada para, com os técnicos do Município e os profissionais contratados, elaborar o programa museológico e apoiar tecnicamente a construção desse novo equipamento, correspondendo assim à missão e atribuições legais desta Direção: dar apoio técnico aos museus da região, na sua maioria integrados na Rede de Museus do Algarve.
Inaugurado há pouco mais de um ano, em junho de 2016, este novo equipamento foi recentemente distinguido pela APOM, Associação Portuguesa de Museologia, com duas menções honrosas, atribuídas pela inovadora ‘Aplicação de Gestão e Multimédia’ e pelo ‘Trabalho na Área da Museologia’. O reconhecimento pelos pares da excelência do trabalho realizado no Município de Lagos é, para nós, motivo de orgulho e satisfação que muito nos apraz registar.
(Artigo publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul)