Um condutor de Nova Iorque recebeu uma indemnização de cerca de 1,65 milhões de euros depois de a porta do seu BMW X5, equipada com sistema de fecho soft close, lhe ter cortado parte do polegar. O incidente ocorreu em 2016, mas o caso só foi decidido em 2024, depois de uma ação judicial prolongada que acabou por responsabilizar o construtor alemão pela falta de proteção adicional neste equipamento.
O que é o sistema de fecho soft close
Em muitos modelos de gama alta, o fecho soft close foi pensado para aumentar o conforto e a sensação de qualidade. Em vez de exigir que o ocupante “bata” a porta com força, basta encostá-la ao encaixe para que um mecanismo, geralmente elétrico, complete automaticamente o movimento até ao fecho total. Assim, evita-se que a porta fique mal fechada e reduz-se o ruído nas manobras de entrar e sair do veículo.
Ao mesmo tempo, este tipo de sistema implica um aumento da força aplicada na fase final do fecho, precisamente quando a porta está em contacto com o aro. Se não existir qualquer sensor ou dispositivo anti-esmagamento, aquele momento pode transformar-se num ponto crítico para mãos ou dedos que se encontrem entre o pilar e a porta.
O acidente que levou a BMW a tribunal
No caso em causa, o proprietário de um BMW X5 xDrive 35i, produzido em 2013, encontrava-se com a mão apoiada junto ao pilar da porta quando esta foi encostada. O mecanismo soft close reconheceu que a porta estava quase fechada e iniciou o movimento automático para completar o fecho. A pressão exercida nessa fase final acabou por decepar parte do polegar do condutor, que necessitou de cuidados médicos e ficou com sequelas permanentes.
A versão analisada pelo tribunal não dispunha de qualquer sistema de segurança específico para o fecho da porta, ao contrário do que sucede com alguns vidros elétricos dotados de função anti-esmagamento. Foi essa ausência de proteção, associada à força aplicada pelo mecanismo, que esteve no centro da discussão sobre a existência de um defeito de segurança no produto.
Indemnização de 1,9 milhões de dólares e críticas ao construtor
Perante o tribunal, o proprietário do SUV pediu uma indemnização de 3 milhões de dólares, invocando dores, sofrimento, limitações futuras e perda de rendimentos. A BMW defendeu-se alegando que qualquer utilizador sabe que não deve colocar a mão no trajeto de uma porta em movimento e que o sistema funcionou tal como foi concebido.
O tribunal não acolheu integralmente a tese do construtor. A decisão fixou uma compensação de cerca de 1,9 milhões de dólares, distribuída em três componentes: 800 mil dólares pelas dores sofridas, 850 mil dólares pelo sofrimento e limitações futuras e 255 mil dólares pela perda de rendimentos. Depois de perder em primeira instância, a BMW pediu novo julgamento, pedido esse que foi recusado. A marca recorreu ainda para uma instância superior, que manteve a decisão e a indemnização, criticando a ausência de um sistema de segurança e a falta de informação prestada ao utilizador sobre o funcionamento do soft close.
Se um caso idêntico acontecesse em Portugal
Numa situação semelhante em Portugal, o caso seria enquadrado na responsabilidade civil por produtos defeituosos, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de novembro, que regula a responsabilidade por produtos defeituosos, e nas regras gerais do Código Civil (artigos 483.º, 496.º, 562.º e 566.º), não havendo, em termos gerais, espaço para indemnizações punitivas como as praticadas em vários estados norte-americanos. As compensações teriam natureza apenas reparatória, cobrindo danos patrimoniais (despesas médicas, perda de rendimentos) e não patrimoniais (dores, impacto na vida), avaliando-se se uma porta com soft close, sem sistema anti-esmagamento ou aviso claro, oferece a segurança que o utilizador pode razoavelmente esperar (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 383/89), bem como uma eventual quota-parte de culpa do próprio lesado (artigo 570.º do Código Civil).
Na prática, um processo deste tipo poderia arrastar-se durante anos e a indemnização, embora significativa, muito dificilmente atingiria valores milionários. O montante final dependeria da prova produzida, dos relatórios médico-legais e da forma como o tribunal qualificasse o defeito do produto e repartisse a responsabilidade entre fabricante e utilizador, aplicando, se necessário, critérios de equidade na fixação do montante indemnizatório (artigo 566.º do Código Civil).
Como perceber se a porta tem proteção anti-esmagamento
Em muitos automóveis, o primeiro passo é perceber se o veículo está efetivamente equipado com soft close. Uma forma simples de identificar esse equipamento passa por encostar a porta sem a fechar completamente e observar se, nos últimos milímetros, a própria porta é “puxada” automaticamente até ao fecho. Se isso acontecer, é sinal de que o sistema está ativo.
A questão seguinte é saber se existe algum tipo de proteção contra o esmagamento. Um dos métodos usados para testar esse comportamento consiste em repetir a operação, interpondo um objeto relativamente fino, com espessura semelhante à de um dedo, entre o pilar e a porta, como uma cenoura ou um pequeno pau de borracha. Se, ao encontrar o obstáculo, o sistema parar o movimento e recuar ligeiramente, tal indica a presença de um mecanismo de segurança. Se, pelo contrário, a porta tentar completar o fecho e esmagar ou partir o objeto, isso pode significar que não existe proteção ativa ou que esta não está a funcionar.
Soft close, vidros elétricos e segurança dos ocupantes
Em paralelo com as portas, muitos veículos modernos integram sistemas anti-esmagamento nos vidros elétricos, em especial quando dispõem de fecho automático por um só toque ou através do comando à distância. Nesses casos, quando o vidro encontra resistência anómala, é suposto parar e recuar alguns centímetros para evitar que um dedo, uma mão ou a cabeça de uma criança fiquem presos.
O caso deste BMW X5 reabriu o debate sobre até que ponto soluções pensadas para aumentar o conforto e o prestígio de um modelo podem, em ausência de salvaguardas adequadas, introduzir novos riscos. Entre a procura de maior comodidade e a necessidade de assegurar níveis elevados de segurança, permanece a discussão sobre onde deve ser colocado o limiar de proteção que os consumidores podem exigir aos fabricantes de automóveis.
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