A crescente presença de carros equipados com câmaras de filmar — como acontece com os veículos da Tesla — está a levantar questões relevantes sobre os limites entre segurança e privacidade.
Em Portugal, a captação de imagens por particulares está sujeita a regras rigorosas, e as funcionalidades de videovigilância automatizada que muitos destes automóveis oferecem podem não ser compatíveis com o enquadramento legal vigente.
A tecnologia que vê tudo à sua volta
Como explica a 4gnews, os veículos mais recentes da Tesla, entre outros, possuem sistemas de gravação como o “Sentry Mode”, que permanecem ativos mesmo quando o automóvel está estacionado.
Estes sistemas permitem filmar imagens do espaço público, incluindo matrículas, rostos ou mesmo interações privadas nas imediações do carro.
A funcionalidade tem por base a segurança do veículo, mas levanta dúvidas jurídicas quanto à sua legalidade.
O que diz a lei portuguesa?
A legislação nacional é clara no que respeita à proteção da privacidade. O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), em vigor desde 2018, define imagens que permitem identificar uma pessoa como dados pessoais, sendo necessário, por regra, o consentimento para a sua recolha e tratamento, como explica a mesma fonte.
Acresce a Lei n.º 34/2013, citada pela 4gnews, que regula a videovigilância e determina que apenas entidades autorizadas — como as forças de segurança — podem filmar o espaço público com sistemas fixos, mediante parecer favorável da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
Também o Código Penal protege o direito à vida privada, penalizando a captação ou difusão não autorizada de imagens de terceiros.
Recomendamos: Carta de condução: veja as novas regras e saiba o impacto para os condutores europeus
Exceções e interpretações judiciais
Nem tudo é preto no branco. Um acórdão do Tribunal da Relação do Porto reconheceu como legítima a gravação efetuada por uma câmara instalada num carro, desde que dirigida unicamente ao veículo do proprietário.
O tribunal entendeu que esta medida servia um propósito legítimo — proteção da propriedade — sem violar a privacidade alheia.
Este tipo de decisão abre espaço à discussão: será legal gravar o espaço público se o objetivo for a segurança pessoal?
A resposta, para já, continua a depender da forma como as gravações são feitas, da sua duração, e do conteúdo captado.
Europa também já reagiu
Noutros países europeus, como os Países Baixos, as autoridades já se pronunciaram sobre o uso de câmaras em veículos.
A Autoridade Holandesa de Proteção de Dados alertou que a funcionalidade Sentry Mode pode ser considerada ilegal se não estiver devidamente sinalizada e limitada, dado que recolhe imagens de pessoas que não autorizaram essa captação.
A necessidade de revisão legal
A Iniciativa Cidadãos pela Cibersegurança (CpC), que analisou o tema recentemente, sublinha a importância de atualizar o enquadramento jurídico em Portugal, face ao avanço tecnológico.
Segundo a CpC, é essencial garantir que as inovações associadas à mobilidade inteligente não colidam com o direito fundamental à privacidade, consagrado na legislação nacional e europeia.
Leia também: Conheça o arroz muito consumido em Portugal que é o mais contaminado por agrotóxicos