Um estudo realizado no Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-Iscte) alerta para a discriminação de pessoas bissexuais na comunidade LGBTIQ+, bem como para a dificuldade de organização do ativismo bissexual, que condiciona a sua visibilidade.
No capítulo de um livro publicado em acesso aberto dedicado ao tópico das intimidades LGBTQ+ no Sul da Europa, a investigadora Mafalda Esteves apresenta parte dos seus estudos de doutoramento acerca da cidadania íntima e bem-estar psicossocial na bissexualidade.
A doutoranda do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, investigadora também no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, explica que “o conceito de cidadania íntima está relacionado com as decisões que as pessoas tomam em relação ao seu corpo, sentimentos e relações, bem como com as escolhas sociais acerca de identidades, experiências de género e experiências eróticas”. Por outras palavras, o conceito engloba os diversos discursos públicos sobre como viver a vida pessoal numa sociedade pós-moderna, não se limitando à orientação sexual.
Na sociedade a norma social dominante não é só a heterossexualidade, mas também a monossexualidade (isto é, atração apenas por um sexo ou género). A discriminação surge da crença subjacente de que tudo o que se desvia desta norma é uma transgressão e, portanto, inválido. Por isso, e uma vez que a bissexualidade consiste na atração por dois ou mais sexos ou géneros, esta é frequentemente invalidada não só pela população heterossexual, mas também pelas comunidades LGBTIQ+, resultando em discriminação dupla. “Relativamente à bissexualidade, parece haver uma certa invisibilidade que está presente também nas comunidades LGBTIQ+”, diz Mafalda, referindo-se ainda aos dados da sua investigação e da sua experiência como psicóloga trabalhando com a comunidade.
Ao entrevistar oito pessoas envolvidas em ativismo bissexual, Mafalda explorou as perceções internas do ativismo bissexual, perceções sobre a relação com o ativismo LGBTQI+, perceções sobre a relação com a cultura dominante e a relação com o Estado. De uma forma geral, os resultados indicam dificuldades na coesão da comunidade bissexual em Portugal, com baixa visibilidade na esfera pública, apesar de diversas iniciativas articuladas em rede e demonstradas em marchas do orgulho LGBTIQ+. Apesar das pessoas entrevistadas em Portugal considerarem positivos os avanços legislativos referentes aos direitos sexuais relacionados com aspetos identitários e relacionais, relatam que estes não atendem às necessidades específicas traduzindo-se na falta de compromisso e de proteção político-legal.
A investigadora explica que os dados apontam para a importância de tornar claras as necessidades da comunidade bissexual, propondo que a adoção de uma perspetiva de diversidade sexual e de género, como a fluidez sexual e relacional nas suas múltiplas formas, por parte do Estado, possa ser um ponto de partida. “A educação para a diversidade parece ser crucial para ultrapassar o discurso da rigidez e imutabilidade da identidade e da orientação sexual na sociedade, e é importante reconhecer a interseccionalidade que marca as experiências bissexuais”, o que pode ajudar a reduzir a discriminação de que pessoas bissexuais são alvo. Por último, parece ser essencial para a comunidade bissexual portuguesa “trabalhar a capacidade de se organizar politicamente de forma a tornar-se visível na esfera pública e não ver a sua voz dispersa noutros grupos”, conclui.