Há milhares de pessoas no Algarve com sonhos por concretizar. O sonho de trabalhar numa área específica, o sonho de viajar e conhecer outro país, o sonho de poder começar um pequeno negócio ou projeto, ou mesmo o sonho de ter tempo para sonhar. A capacidade de sonhar é independente das condições sob as quais se nasce, algo inerente a todos nós. A diferença, no entanto, está na facilidade ou oportunidade de concretizar tais ambições. Se nascermos sob condições financeiras precárias e sem uma boa rede de suporte familiar, a exposição a fenómenos climáticos transforma a possibilidade de realizar um sonho ela própria um sonho. Falar sobre alterações climáticas poderá soar a capricho quando comparado à pobreza de muitas famílias algarvias, no entanto, estas têm uma influência direta no agravamento dessa condição.
No Algarve, as passadas chuvas intensas e as consequentes inundações são um sinal claro de que a região não está preparada para os tempos que se avizinham. No inverno, as inundações entram em casa das pessoas varrendo memórias cultivadas durante anos. No verão, os incêndios queimam os campos semeados, as terras selvagens e atrasam os sonhos de centenas de pessoas. O grande paradoxo do Algarve: lidar simultaneamente com chuvas intensas e com secas extremas. Mas se é verdade que todos somos afetados pelos fenómenos climáticos, também é verdade que uns são mais afetados do que outros.
Até 2019, o Algarve estava a conseguir diminuir a desigualdade na região. Porém, dados de 2022 do Instituto Nacional de Estatística revelam que o cenário se inverteu – hoje, somos a região mais desigual de Portugal continental. Aqui, as famílias pobres recebem seis vezes menos do que as mais ricas. São milhares de pessoas em risco de pobreza, muitas delas cuidando sozinhas de várias crianças. Famílias isoladas, que não têm carro ou dinheiro para combustível e que não têm acesso a uma rede de transportes públicos adequada ao contexto das comunidades. Famílias com grandes dificuldades em aceder a estabelecimentos de saúde mas que, conseguindo, têm de fazer contas aos medicamentos para garantirem que sobra dinheiro para as outras necessidades básicas. E se estas condições são injustas, ainda mais injustas se tornam com a intensificação dos fenómenos extremos.
As alterações climáticas pressionam mais as pessoas que vivem em casas frágeis, em zonas baixas e que têm menos dinheiro. Uma família pobre, sem carro e que tenha de ir trabalhar a pé num dia de tempestade, está mais exposta a um acidente durante o seu percurso. Uma família pobre, que perca o seu meio de transporte pessoal num incêndio, fica isolada e vê o seu acesso à saúde, educação ou ao local de trabalho diminuído. Uma família que detenha um pequeno café, mercearia ou drogaria que inunde, mais facilmente inundará em dificuldades e precisará de mais tempo para recuperar. O acentuar da pobreza é uma das consequências dos fenómenos climáticos extremos, consequência essa que dificilmente conseguiremos travar sem o esforço e apoio de todas as pessoas.
O Algarve é uma região com duas realidades distintas: por um lado, é uma das regiões que gera mais dinheiro ao país e a que mais cresceu na União Europeia em 2022 segundo o Eurostat. Por outro, não está a conseguir ajudar as pessoas que nela vivem. As famílias mais pobres, que não andam de avião, que têm menor capacidade de andar de carro, e que menos contribuem para as alterações climáticas, são as que pagam o preço mais alto. Uma região tão rica quanto pobre, mas que pode ser restaurada se trabalharmos em conjunto e cultivarmos mais humanidade. Pressionar os agentes políticos a atuar é um dos primeiros passos para inverter a desigualdade social da região algarvia. É urgente adaptar as nossas cidades às alterações climáticas, assim como fornecer ferramentas e meios dignos àqueles que mais precisam para se protegerem da inevitabilidade dos fenómenos climáticos extremos.
A crise climática é também uma crise de desigualdades. O sul é a zona do país que mais vai sofrer com as alterações climáticas segundo dados do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas e a sua recuperação não pode ser feita apenas com políticas ambientais mas também com políticas humanistas e sociais. Investir em casas seguras, melhorar zonas que frequentemente inundam e garantir acessos básicos como saúde, educação e transporte é uma obrigação coletiva. Não se trata apenas de proteger casas ou ruas de inundações; trata-se de proteger bairros, vidas e sonhos.
Que o Algarve seja um exemplo de como a empatia e a ação coletiva transformam a adversidade em esperança.
Biografia de Pedro Leitão: Tem 31 anos, nasceu em Faro, coberto pelo sol de verão e pela geada do inverno. Fez grande parte da sua vida na cidade de Faro onde acabou por tirar a licenciatura em Biologia Marinha na Universidade do Algarve. Em 2018 – depois da licenciatura e mestrado – começou a trabalhar no Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA), no departamento de recursos marinhos, onde embarcou com os pescadores e integrou campanhas nacionais e internacionais para a gestão das pescas. No IPMA participou em grupos de trabalho de consultadoria à União Europeia.
Atualmente está a tirar o doutoramento na Universidade do Algarve, em parceria com o IPMA, para digitalizar as pescas e melhorar a sua gestão.
Nos tempos livres, ajuda a criar projetos jovens no Algarve (destaque para o Festival ANIMAGORIA) e é ainda membro do partido LIVRE.
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O Europe Direct Algarve faz parte da Rede de Centros Europe Direct da Comissão Europeia. No Algarve está hospedado na CCDR Algarve – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve.
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