O arroz é um dos alimentos mais consumidos em todo o mundo, sendo a base da alimentação diária para milhares de milhões de pessoas. A sua importância vai muito além da culinária, desempenhando um papel essencial na segurança alimentar global. No entanto, um novo estudo levanta preocupações sérias: com o avanço das alterações climáticas, o arroz poderá tornar-se mais tóxico, colocando em risco a saúde pública.
Um risco crescente com o aquecimento global
De acordo com um estudo recente publicado na revista The Lancet Planetary Health, citado pela ZAP Notícias, o arroz poderá tornar-se mais perigoso para o consumo humano à medida que as temperaturas globais aumentam e os níveis de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera sobem. Esta combinação está a ser associada a um aumento dos níveis de arsénico no arroz, um elemento tóxico e cancerígeno.
Segundo a investigação, liderada por uma equipa internacional de cientistas dos Estados Unidos e da China, este cenário poderá afetar milhares de milhões de pessoas, especialmente nos países em desenvolvimento, onde o arroz é a principal fonte de sustento.
Como o arroz absorve o arsénico
O cultivo do arroz é, em si, uma parte do problema. Como é normalmente cultivado em campos alagados, o arroz acaba por absorver não só a água como tudo o que nela se encontra, incluindo o arsénico, seja ele de origem natural ou resultado da atividade humana, tornando-se mais tóxico.
“Esta é uma cultura básica que é consumida por mil milhões de pessoas todos os dias, e qualquer efeito sobre a toxicidade terá um impacto muito grande”, sublinha Lewis Ziska, fisiologista de plantas e professor associado na Universidade de Columbia.
O impacto das alterações climáticas
Ziska estuda o arroz há mais de 30 anos, com particular enfoque nos efeitos das alterações climáticas sobre o valor nutricional dos alimentos. Neste estudo, uniu esforços com investigadores de várias instituições para analisar como o aumento da temperatura e do CO₂ afeta os níveis de arsénico no arroz.
Os resultados surpreenderam até os próprios investigadores. “Sabíamos que a temperatura por si só poderia aumentar os níveis, e o CO₂ um pouco. Mas quando juntámos os dois, então, uau, era algo de que não estávamos à espera”, admite Ziska.
Experiências no campo com resultados preocupantes
Durante seis anos, os cientistas cultivaram arroz em campos controlados, expostos a diferentes níveis de CO₂ e temperatura, simulando as condições que se prevêem para as próximas décadas. Os resultados foram claros: quando ambos os fatores aumentam, a concentração de arsénico, sobretudo o inorgânico, mais perigoso, também cresce nos grãos de arroz. Este tipo de arsénico está associado a vários problemas de saúde, incluindo cancros da pele, da bexiga e dos pulmões, doenças cardiovasculares e danos neurológicos em bebés.
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Cultivo submerso facilita a contaminação
O método de cultivo do arroz, com campos inundados, impede o crescimento de ervas daninhas mas cria um ambiente propício à acumulação de arsénico no solo e na água. O arroz, por ter uma estrutura altamente porosa, absorve rapidamente essa água e, com ela, o arsénico, tornando-se mais tóxico.
“O que acontece no arroz, devido a processos biogeoquímicos complexos no solo, é que quando a temperatura e CO₂ aumentam, o arsénico inorgânico aumenta também”, explica Ziska. “E é este arsénio inorgânico que representa maior risco para a saúde.”
Um problema antigo que se agrava
“O arroz sempre foi um alimento em que o arsénico é um problema, e as alterações climáticas estão a agravá-lo”, afirma Keeve Nachman, professor da Universidade Johns Hopkins e especialista nos impactos da produção alimentar na saúde. Segundo Nachman, este novo estudo vem reforçar a necessidade de agir, tanto no combate às alterações climáticas como na implementação de medidas para reduzir a exposição da população a este contaminante.
Uma ameaça invisível
Embora o arsénico ocorra naturalmente em muitos ambientes, incluindo nos solos e nas águas subterrâneas, a sua presença no arroz, um alimento consumido diariamente por milhões, é especialmente preocupante. Em locais com elevado consumo de arroz, a exposição ao arsénico inorgânico tem sido associada a taxas mais elevadas de doenças graves.
Entre as soluções apontadas pelos investigadores estão mudanças nos métodos de cultivo, com menor uso de água e práticas que limitem a absorção de arsénico pelas plantas. Além disso, defendem políticas mais rigorosas de controlo ambiental e alimentar, bem como o reforço da investigação nesta área.
A urgência de agir
“Esta é mais uma razão para intervir, para controlar a exposição das pessoas. A primeira coisa que podemos fazer é tudo o que estiver ao nosso alcance para abrandar as alterações climáticas”, conclui Keeve Nachman.
Perante um desafio que afeta tanto a saúde pública como a segurança alimentar global, a resposta terá de ser rápida, coordenada e baseada na ciência. Afinal, quando o alimento mais básico do planeta se torna uma possível ameaça, não há tempo a perder.
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