David Brito, investigador do Algarve Biomedical Center Research Institute da Universidade do Algarve, acaba de publicar um artigo na revista científica Molecular Psychiatry, em colaboração com investigadores do Central Institute of Mental Health (Alemanha), da Universidade de Heidelberg (Alemanha) e da Vrije Universiteit Amsterdam (Holanda) que revela um novo mecanismo biológico que pode desempenhar um papel na regulação da resiliência a eventos adversos da vida.
“Através de experiências realizadas em murganhos, o grupo de investigadores, composto por David Brito e Janina Kupke e liderado por Ana MM Oliveira (Central Institute of Mental Health – Universidade de Mannheim – Alemanha), descobriu que a formação de memórias traumáticas de alto impacto envolve um processo molecular único que não se encontra presente na formação e consolidação de memórias de medo de menor impacto”, explica a Universidade do Algarve em comunicado.
De acordo com os investigadores, “enquanto as memórias de medo são essenciais para a sobrevivência do organismo, pois desencadeiam respostas adequadas que permitem a adaptação ao ambiente, a exposição a experiências traumáticas, por sua vez, pode conduzir à formação de memórias traumáticas fortes que conduzem ao desenvolvimento de patologias psiquiátricas graves, como a perturbação de stress pós-traumático”.
Como explicam “essas memórias fortes são caracterizadas por respostas desproporcionais de medo em relação a situações não relacionadas ao evento traumático inicial e pela incapacidade de extinguir esses medos”.
Os investigadores debruçaram-se sobre os processos biológicos subjacentes que impedem a formação de memórias traumáticas.
Para este efeito, e usando os murganhos como modelo, os neurocientistas descobriram que modelando o fator de transcrição Npas4, um gene envolvido na regulação do desenvolvimento e função neuronal, era possível produzir uma resposta por forma a que as memórias traumáticas ficassem mais fracas, diminuindo, assim as respostas e os eventos de medo.
Os investigadores mostraram ainda que a exposição a uma experiência aversiva conduz a dois períodos elevados do fator de transcrição Npas4, sendo que o segundo período, onde os investigadores atuaram artificialmente modelando a proteína, revelou ter uma importância decisiva uma vez que pode atuar como um “travão” que impede a formação de memórias traumáticas muito intensas.
A investigação mostra, assim, o papel fundamental desta proteína na regulação dos contactos e comunicação entre neurónios, demonstrando que quando é tardiamente “ativada”, leva à presença do neurotransmissor responsável por reduzir a atividade neuronal, possivelmente regulando a intensidade de memórias traumáticas.
Para os responsáveis pela investigação este estudo reveste-se de especial importância uma vez que “apresenta o Npas4 como um alvo molecular que pode ser usado para o desenvolvimento de novas terapias”.
De acordo com a equipa de investigação, em estudos futuros, será importante compreender por que razão este mecanismo de proteção intrínseco é por vezes contornado, formando-se memórias traumáticas patológicas.
Esta descoberta revelou uma estratégia biológica até então desconhecida que parece impedir que experiências de medo altamente aversivas originem as memórias fortes que poderiam estar subjacentes ao desenvolvimento de condições psiquiátricas.
O artigo científico pode ser consultado aqui.
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