Entre as pedras da calçada portuguesa, as ervas daninhas crescem nos passeios menos movimentados de Lisboa, sobretudo pelas condições climatéricas. A deservagem é competência das juntas de freguesias, que dizem não ter mãos a medir, registando queixas de fregueses.
“É muito aborrecido ter visitas ou qualquer pessoa passar aqui e parece que tínhamos um jardim à nossa porta em cima da calçada”, queixa-se Madalena Guedes, de 83 anos, moradora na freguesia de São Vicente, falando à Lusa um par de minutos depois de os trabalhadores cortarem as ervas daninhas no passeio junto à entrada da sua casa.
Madalena Guedes vive na Rua Josefa de Óbidos, no bairro da Graça, mesmo junto à sede da Junta de Freguesia de São Vicente, onde a maior parte da área dos passeios estava preenchida com ervas altas, lixo acumulado junto aos caixotes e até monos, como uma máquina de lavar roupa avariada.
“Até é uma vergonha, para nós portugueses, virem para uma rua tão porca e trazerem turistas para apresentar isto”, lamenta, apontando para uma dezena de visitantes que estava a admirar a parede de arte urbana, com ‘graffitis’ coloridos.
O estado da rua resulta também das obras num condomínio em construção nas traseiras, que duraram “cerca de três anos” e trouxeram “muito lixo”.
“Era uma poeirada, uma chiqueirada”, critica a freguesa, acrescentando que a empreitada terminou em abril e esperava-se uma limpeza geral, mas a intervenção tardou a chegar.
“Só agora [dia 19 de agosto], ao fim deste tempo todo, é que vieram cortar [as ervas daninhas]. Tínhamos aqui arvoredo que parecia quase um jardim e a rua continua na mesma, toda cheia de manchas de petróleo, cheia de terra”, indica, referindo que já reclamou junto da Câmara Municipal de Lisboa e da Junta de Freguesia de São Vicente.
Surpreendida com a equipa de três trabalhadores da Junta de Freguesia de São Vicente a fazerem a deservagem na rua, Madalena Guedes saiu de casa com a vassoura para ajudar a limpar as ervas cortadas pela motorroçadora.
A presidente da Junta de Freguesia de São Vicente, Natalina Moura (PS), em funções desde 2013 e a cumprir o terceiro e último mandato até 2025, assume que a deservagem se tem tornado “um grave problema para a gestão urbana”, em que um dos constrangimentos é a falta de um produto que retarde o crescimento das ervas infestante, em complemento ao trabalho de corte mecânico.
“Estamos a cortar […], duas semanas depois elas começam a nascer”, conta.
As condições climatéricas registadas este ano também propiciaram o crescimento das ervas e a execução da deservagem tornou-se difícil ao nível de recursos humanos com o período de festas populares e férias dos trabalhadores, em que “fica tudo bloqueado em termos desse trabalho”, argumenta.
“É preciso vir cá a Lusa para arranjar os passeios”, reclamou um freguês que passava na rua enquanto a autarca respondia a questões. Houve também quem sugerisse, de alta voz, pôr uma cabra a pastar as ervas daninhas, considerando o volume de infestantes existente.
Questionada sobre a existência de queixas, Natalina Moura reconhece que “há sempre algumas”.
“Mas, isso há queixas de tudo, porque cai tudo aqui na junta. Um dia destes alguém nos perguntou se nós tínhamos também um centro de ajuda para os partos […]. Não há nada que não venha parar às juntas, porque é a proximidade”, salienta.
A deservagem em São Vicente teve como prioridade as zonas de risco de incêndio, nomeadamente a Avenida Mouzinho de Albuquerque e a encosta do Vale de Santo António, adianta a autarca, reconhecendo que a atual situação do espaço público da freguesia, com o crescimento das ervas infestantes, “já é uma questão de saúde pública”, com a existência de pragas, inclusive ratazanas e baratas.
“Se tivessem vindo de uma aldeia como eu vim, até tiravam e limpavam [as ervas], mas as pessoas não fazem isso e, depois, junta-se com outras vertentes também menos simpáticas, que é a da higiene urbana, […] essa é que nos traz grandes problemas”, realça, considerando que também existe falta de civismo.
A acompanhar os trabalhos de deservagem, João Adrião, gestor ambiental da Junta de Freguesia de São Vicente, recorda que antes a execução era “com um homem, um pulverizador e herbicida”, mas o glifosato, por ser potencialmente carcinogénico, foi proibido em espaço público e foi também impedido o uso de uma solução de vinagre alcoólico e sal.
De momento, os trabalhos são feitos através de corte mecânico, o que “exige um homem a cortar, um homem a resguardar as pedras e as ervas e um terceiro para fazer a limpeza”, detalha, sublinhando que “é um esforço enorme, além de o resultado também não ser o mais eficaz, porque o herbicida mantinha o passeio limpo durante quatro a cinco meses, e após este serviço [com motorroçadora], ao fim de um mês – então se chover menos ainda -, as ervas voltam todas a estar na mesma forma”.
“É um problema do espaço urbano do Minho ao Algarve”, afirma.
Para colmatar os constrangimentos, a Junta de Freguesia de São Vicente contratou uma empresa para realizar deservagem, que começou a trabalhar em meados de agosto.
“Esperamos, ao fim de um mês, termos todas as ruas da freguesia sem ervas”, perspetiva, ressalvando que quando começar a chover o problema volta.
Sendo um problema transversal, à semelhança do lixo, as ervas infestantes afetam também a freguesia de Alvalade, onde a junta – sob presidência de José Amaral Lopes (PSD) – tem procurado assegurar a deservagem nos 179 arruamentos do território, com 45 operacionais no terreno.
No Bairro de São Miguel, a vogal da Higiene Urbana na Junta de Freguesia de Alvalade, Cristiana Vieira (PSD), refere que, além da deservagem, a junta é responsável pela varredura, desentupimento de sarjetas e limpeza em redor das ecoilhas e ecopontos, competências atribuídas no âmbito da reforma administrativa de Lisboa, aprovada em 2012.
Cristiana Vieira corrobora que este tem sido um ano atípico devido às “condições meteorológicas muito adversas para o crescimento das ervas infestantes, o que requer muito mais foco nesta competência, na deservagem”.
A Junta de Freguesia de Alvalade dispõe, neste momento, de “cinco equipas diariamente”, com dois elementos cada e com roçadoras a bateria, tendo também uma equipa externa para dar apoio na deservagem mecânica.
“Pontualmente, também recorremos a aplicação de fitofarmacêuticos que retardem o crescimento das ervas infestantes […]. Utilizamos produtos sem glifosato, ou seja, que não são nocivos, nem para pessoas, nem para animais”, realça, frisando que são produtos “amigos do meio ambiente”.
Quanto a queixas sobre deservagem, a vogal diz que, “felizmente, não há muitas reclamações, contudo existem algumas”.
Por Sónia Miguel (texto) e António Pedro Santos (fotos), da agência Lusa
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