O consumo de óxido nitroso, um gás que é utilizado em meio hospitalar e na indústria automóvel, mas também em contextos recreativos, é cada vez mais uma preocupação na Europa — e Portugal não é exceção. Desde o início do ano, as autoridades portuguesas realizaram 35 apreensões de botijas e balões desta substância, conhecida como “droga do riso” ou “gás hilariante”, devido aos seus efeitos eufóricos.
A informação consta de um relatório sobre o uso recreativo de óxido nitroso na Europa, realizado pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA, na sigla em inglês) e apresentado esta segunda-feira.
São revelados dados sobre a prevalência do consumo e intoxicações em países europeus, os efeitos a curto e longo prazo que advêm da utilização deste gás e a disponibilidade da substância no mercado europeu. Também são apresentados “casos de estudo” de alguns países, e Portugal é um deles.
ÓXIDO NITROSO É VENDIDO NA RUA E ATRAVÉS DA INTERNET
De acordo com o documento, intitulado “Recreational use of nitrous oxide: a growing concern for Europe” (“O consumo de óxido nitroso: uma preocupação crescente para a Europa”, em português), é sobretudo através de estabelecimentos de restauração e de bebidas que é feita a distribuição, venda e consumo de óxido nitroso em Portugal.
Também há “distribuição de rua” e em “festas espontâneas” realizadas ao ar livre ou em “residências privadas”, bem como através de sites na Internet ou contactos nas redes sociais, refere o observatório, que contou com o contributo das forças de segurança (Polícia Judiciária, PSP e GNR) e do Infarmed.
Se, em 2020, não foram registadas em Portugal ocorrências relacionadas com esta substância, em 2021 foram cerca de 93 as apreensões em cidades como Lisboa, Setúbal e Faro. Nesse ano, foram apreendidas entre 300 a 400 botijas e recipientes de diferentes tamanhos contendo óxido nitroso. Já em 2022, e até à data de publicação do relatório, foram registadas cerca de 35 ocorrências ou apreensões de botijas ou balões.
ÓXIDO NITROSO É CADA VEZ MAIS POPULAR NA EUROPA
A utilização para fins recreativos do óxido nitroso não é de agora. Há relatos do uso deste gás no final do séc. XIX, em teatros, clubes e festivais musicais. A sua popularidade foi oscilando ao longo do tempo, atingindo níveis elevados em momentos específicos: no final da década de 1960, no contexto da contracultura nos EUA, e nos anos 1990, quando a substância começou a ser utilizada em contextos de diversão noturna, em ‘raves’ e depois em clubes e festivais de música.
Em 2010, foi atingido um “pico”, registando-se um aumento do consumo em alguns países e, em 2017, o assunto começou a preocupar as autoridades europeias, devido a um “grande” aumento da oferta e do consumo, associados, em parte, à disponibilidade de “cilindros maiores” contendo óxido nitroso para ser comercializado e utilizado em contextos recreativos, refere o observatório europeu. Com isto, o gás tornou-se “significativamente mais barato” e o seu uso “mais amplo, frequente e intenso”.
Também em Portugal o consumo desta substância preocupa as autoridades. Em setembro deste ano, o “gás hilariante” passou a integrar a lista de substâncias psicoativas proibidas, sendo proibida a distribuição e venda deste produto.
Segundo o relatório do observatório europeu, a “popularidade crescente” do óxido nitroso pode ser explicada pela facilidade em adquirir a substância, que se encontra disponível em “pequenos cartuchos” que são utilizados para encher balões a partir dos quais o gás é inalado.
Estes cartuchos são normalmente utilizados como propulsores de aerossóis para fazer natas batidas (chantilly), sendo fáceis de obter em lojas de conveniência e supermercados, e através da Internet. Fatores como o baixo preço, os efeitos de curta duração e a “perceção” geral dos consumidores de que se trata de uma droga “relativamente segura” também explicam o aumento do consumo.
INTOXICAÇÕES AUMENTAM “SIGNIFICATIVAMENTE”
De acordo com o observatório europeu, tem-se registado um “aumento significativo” do número de intoxicações associadas ao consumo de óxido nitroso em alguns países europeus. Na Dinamarca, os casos aumentaram de 16, em 2015, para 73, em 2021. Em França, foram comunicados 134 casos em 2020, quando em 2017 tinham sido apenas dez. Nos Países Baixos, os casos aumentaram de 13, em 2015, para 144, em 2020.
A maioria das intoxicações registadas nestes países estão associadas a consumos “mais intensivos ou mais frequentes” desta substância. Estas intoxicações incluem danos no sistema nervoso, queimaduras graves causadas pela exposição ao gás frio e lesões pulmonares. Nos Países Baixos, registou-se um “aumento significativo” do número de acidentes rodoviários associados ao consumo de óxido nitroso.
O observatório ressalva, contudo, que a “esmagadora maioria das pessoas” não consome óxido nitroso ou “consome muito ocasionalmente, em quantidades relativamente pequenas”.
SISTEMAS DE ALERTA RÁPIDO E MAIS INVESTIGAÇÃO: AS RECOMENDAÇÕES DO OBSERVATÓRIO EUROPEU
Face ao aumento do consumo e das intoxicações associadas à utilização do “gás hilariante”, o observatório recomenda que sejam desenvolvidos sistemas de monitorização e de alerta rápido. Também recomenda que os vários países trabalhem em articulação com os seus departamentos de emergência hospitalar, forças de segurança, equipas de rua e entidades que atuam na área da prevenção e da redução de danos.
Considerando que se trata de uma substância utilizada maioritariamente por jovens, é importante evitar uma “normalização” e “promoção” do consumo, sublinha o observatório, chamando ainda a atenção para a necessidade de realizar mais investigação nesta área e garantir a eficácia dos tratamentos disponíveis e das medidas que venham a ser implementadas.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL