Um ano e meio depois do início da pandemia, o país enfrenta finalmente uma situação descrita como “muito confortável”, que permitirá ao Governo, se seguir o plano ontem proposto por alguns dos peritos que o têm aconselhado, levantar praticamente todas as restrições que têm condicionado a vida nos últimos meses.
E poderá fazê-lo muito em breve, provavelmente já no próximo Conselho de Ministros, altura em que a vacinação atingirá a meta-chave dos 85% da população com o esquema completo. Ontem, o valor era já de 81,5%. Nessa altura, defendeu Raquel Duarte, médica e um dos elementos da Administração Regional de Saúde do Norte que tem trabalhado no plano de desconfinamento, é possível mudar o paradigma: passar de regras e medidas restritivas definidas pelo Governo, obrigatórias, para avaliações de risco feitas por cada um de nós e pelas organizações, consoante o contexto que enfrentam.
Seria então em função dessa avaliação e responsabilidade cívica que se estabeleceriam as medidas mais adequadas. Seja na imposição de certificados digitais para o acesso aos espaços, uso de máscara, fixação de lotações ou definição de circuitos. Neste momento o que existe são regras gerais para todos os espaços e eventos. No entanto, frisou a especialista, há cuidados específicos e medidas que têm de ser assegurados, como a correta ventilação dos espaços, incluindo a fiscalização da qualidade do ar. Além disso, lê-se na proposta de plano, “é fortemente recomendada a adoção das medidas de proteção individual (vulgo máscaras) nos ambientes fechados e em espaços públicos nos quais não é possível manter o distanciamento”.
Mas esta seria sempre uma recomendação e só passaria novamente a ser obrigação no caso dos indicadores da pandemia se agravarem. A equipa de Raquel Duarte defende, no entanto, que há situações e grupos que têm de ser especialmente protegidos e que requerem cuidados adicionais, como é o caso dos idosos e dos lares, espaços onde deve ser “promovida” a testagem regular, o acesso com certificado digital e a utilização de máscaras. O controlo nas fronteiras é definido como igualmente essencial. A pneumologista chamou ainda a atenção para a muito provável necessidade de reforçar a vacinação dos mais idosos com uma terceira dose, defendendo que as estruturas que estiveram até agora ao serviço da campanha de vacinação contra a covid-19 se mantenham de alguma forma, sob pena de ser afetada a resposta das unidades de cuidados primários a outras situações.
Perante esta proposta de libertação, caberá ao Governo tomar a decisão final, não sendo de descartar a hipótese de António Costa vir a ser desta vez mais prudente nesta transição do que o que foi defendido no Infarmed.
OS PERIGOS DO NATAL
A próxima fase de outono e inverno ainda traz, no entanto, desafios. As autoridades de Saúde estão a trabalhar com três cenários, sabendo que haverá dois momentos de maior mobilidade — a abertura das escolas e o período de festas do Natal e Ano Novo. O primeiro cenário é o menos grave, admitindo que não surgirá nenhuma nova variante de preocupação e que a imunidade tem uma duração média de três anos. Se assim for, não haverá perturbação dos serviços de saúde. No segundo cenário, também sem nova variante de preocupação, assume-se que há uma redução da imunidade conferida pelas vacinas para uma duração média de um ano. Neste caso, a ocupação das unidades de cuidados intensivos ficaria acima da linha vermelha (255) na segunda quinzena de janeiro e a mortalidade subiria novamente. Já no terceiro e último cenário, com nova variante e redução da imunidade para um ano, o número de internados ficaria acima de 255 na primeira quinzena de janeiro e a mortalidade ultrapassaria a linha vermelha nas últimas semanas de dezembro.
Apesar da comprovada proteção conferida pelas vacinas em relação ao risco de hospitalização e morte, ninguém sabe — só o decorrer do tempo permitirá sabê-lo — qual a duração da sua efetividade e se será necessário vir a administrar alguma dose de reforço, quando e para quem. Para já, o que os dados para Portugal indicam é que quatro em cada cinco casos positivos correspondem a pessoas sem o esquema vacinal completo. No caso dos internamentos em UCI, a relação é de 14 em cada 15.
Os poucos estudos já publicados sobre a imunidade a médio prazo em relação à infeção indicam uma quebra de 70% para 40% nos mais de 80 ao fim de três meses após a segunda dose e de 80% para 60% na faixa etária 65-79. No entanto, frisou Baltazar Nunes, até agora não se verifica uma redução da proteção contra hospitalização e morte. Na população mais idosa, a efetividade mantém-se em valores elevados (superior a 70%) até pelo menos cinco meses após a segunda dose. A dúvida que ainda permanece é saber se os mais velhos, que receberam a vacina há mais tempo, têm uma perda mais acentuada da imunidade que obrigue a um reforço vacinal. Quando se chegar ao outono/inverno, muita desta população terá completado a sua vacinação há um ano ou perto disso.
Por agora e de acordo com as apresentações feitas na reunião de quinta-feira, não só os principais indicadores de monitorização da pandemia estão abaixo das linhas vermelhas, como a tendência é de decréscimo de casos, internamentos e mortes. “Encontramo-nos, claramente, no fim de uma fase pandémica”, frisou Pedro Pinto Leite, diretor de serviços de informação da Direção-Geral da Saúde (DGS). O R(t) está agora em 0,84 e nunca foi tão baixo num período sem confinamento, como referiu Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). É já certo que existe, tanto em Portugal como noutros países, uma relação entre a cobertura vacinal completa e o R(t): quanto maior é a taxa de vacinação, menor é a transmissibilidade, explicou o especialista.
O país regista agora 195 novos casos por 100 mil habitantes em 14 dias, mantendo uma tendência decrescente da incidência em todas as regiões e grupos etários. “A grande descida que ocorreu no grupo dos 10 aos 19 e dos 10 aos 29 anos para valores inferiores a 480 casos por 100 mil habitantes é de extrema importância sobretudo porque agora começam as aulas”, realçou Pedro Pinto Leite. A descer estão também os internamentos, com uma queda de 15% em relação à semana passada.
Notícia exclusiva do parceiro do jornal Postal do Algarve: Expresso