O Tribunal Administrativo de Loulé determinou a suspensão dos trabalhos de construção de um empreendimento comercial nas Alagoas Brancas, no concelho de Lagoa. As obras pararam e a vida voltou em força às Alagoas Brancas mas aquele “oásis de biodiversidade continua sob grande e séria ameaça”.
“Nos últimos dias e devido à exuberância regenerativa desta época do ano, assistem-se a autênticos festivais da vida selvagem nas Alagoas Brancas. Foram avistados centenas de Ibis pretos, entre dezenas e dezenas de outras espécies importantes, e a monitorização de exemplares nas Alagoas não pára de aumentar em número. São as próprias pessoas que por iniciativa cidadã registram a quantidade de espécies que procuram em massa as águas doces das Alagoas Brancas”, refere o movimento Cidadãos em defesa das Alagoas Brancas em comunicado.
As Alagoas Brancas são o que resta de uma vasta zona húmida que se estendia até Silves e são remanescentes das lagoas que deram o nome à cidade e concelho de Lagoa. Acresce ao seu valor histórico, patrimonial e cultural um riquíssimo e imprescindivel valor enquanto ecossistema.
Este é um local com elevado valor ambiental e com um importante papel na preservação da biodiversidade que presta serviços ecossistêmicos que mitigam as alterações climáticas e previnem as cheias.
“É absolutamente incompreensível que a autarquia de Lagoa, ao contrário do que dizem os estudos, os especialistas, e até a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, tenha dado aval para arrasar este reduto verde. Um ecossistema crucial que alberga mais de 300 espécies de fauna e flora”, aponta o movimento.
“Tal como foi noticiado, recentemente, as Alagoas Brancas quase desapareceram. Animais, protegidos por lei, foram enterrados vivos, quando por lei o ICNF devia ter retirado um a um são e salvo dali. Mas, a importância colossal das Alagoas Brancas suprime toda e qualquer tentativa de amenização do impacto que a sua destruição geral acarretaria”, pode ler-se no comunicado.
Presidente da Câmara de Lagoa disse não compreender a contestação que está a ser feita
O presidente da Câmara de Lagoa disse recentemente à Agência Lusa não compreender a contestação que está a ser feita, até porque, destacou, “no local foram construídas duas outras superfícies comerciais”.
Luís Encarnação estimou que “uma reversão do processo pode resultar entre 35 a 40 milhões de euros de prejuízos para o município, o que tornaria a autarquia ingovernável durante um período de, pelo menos, um ano”.
O movimento refere que “as Alagoas Brancas não são prioritariamente uma zona de alimentação para a vida selvagem mas são sobretudo uma zona fundamental de refúgio, de pernoita e de descanso de vida selvagem. Com as chuvas e a paragem das obras que ameaçam as Alagoas Brancas, as lagoas encheram-se de novo com água doce e com elas voltou muito rapidamente o fervilhar de espécies que ali habitam e se refugiam”.
Salienta ainda que “não são só os cágados do mediterrâneo que estão sob ameaça e que, se o ICNF retirar estes espécimes, o problema não fica nem de perto nem de longe resolvido. Todas as espécies que se refugiam nas Alagoas Brancas, e são mais de 300, estão ainda e neste momento em grande risco”.
Apesar de todas as dificuldades e ameaças, “as Alagoas Brancas encontram-se no 2º posto do ranking de observação de aves no Concelho de Lagoa, registado no site e.bird como “hotspot” de observação. Sendo que o Algarve é referido como uma das regiões mais atrativas a nível Mundial para a observação de avifauna”.
Sucessivos executivos da Câmara de Lagoa não conseguiram reconhecer a importância emergente deste oásis de vida selvagem
“A grande problemática das Alagoas Brancas é que os sucessivos executivos da Câmara de Lagoa não conseguiram reconhecer a importância emergente deste oásis de vida selvagem que é um autêntico nicho de biodiversidade”, defende o movimento de cidadãos Salvar as Alagoas Brancas.
“Em 2009 esta área de 11 hectares foi classificada erroneamente como “malha urbana” e desde então tem vindo a ser ameaçada de destruição por um projeto de loteamento comercial com 11 lotes. Apesar deste projecto remontar a 2009, e obter um período para construção de dois anos, o Município de Lagoa concedeu ao promotor ainda mais um ano para completar a obra e ignorou por completo o valor incomensurável e emergente das Alagoas Brancas. Resultado, as Alagoas Brancas começaram a ser destruídas e terraplanadas a 12 de outubro de 2022, dia em que terminava a licença de construção do promotor”, afirma, acrescentando que “mediante tamanho desespero e crime ecológico, os cidadãos, independentes e apartidários, uniram-se e algumas forças partidárias que auxiliaram a causa das Alagoas Brancas”.
No dia 11 de novembro o partido PAN introduziu uma providência cautelar que foi aceite no tribunal administrativo de Loulé e as obras foram suspensas, mas temporariamente.
As Alagoas Brancas são património ambiental, local de merecida proteção ecológica e zona de regulação hídrica contra inundações, um importante e especial nicho sumidouro de CO2.
“A construção que prevê destruir as Alagoas Brancas irá derrubar inúmeros serviços que este ecossistema presta, irá afectar o aquífero de Ferragudo e irá naturalmente provocar mais cheias e destruição”, lamenta o movimento.
O grupo de cidadãos que contesta este projecto desde 2017 salienta que “aquela zona recebe amantes de ornitologia, cidadãos portugueses e de outros países, para fotografar as 143 espécies de aves que ali procuram refúgio, e que o espaço deveria ser classificado como paisagem protegida e transformado num parque público com uma zona salvaguardada para observação responsável de aves”.
Para o movimento “não é compreensível que estejam neste momento líderes de todo o Mundo a discutir o que fazer para parar a destruição do Planeta Terra, para mitigar as alterações climáticas, e ao mesmo tempo numa pequena cidade do Algarve, em Lagoa, se permita com o aval do Município e outras entidades governamentais, como a APA, ICNF, CCDR, ARH-ALGARVE, SEPNA, a destruição de um singelo mas singular nicho de biodiversidade, última zona húmida de água doce do Algarve, tão importante para a região como para o equilíbrio orgânico do Planeta!?”.