Entre os adolescentes portugueses, o consumo de substâncias está a mudar de perfil. A tendência entre jovens aponta agora para o uso crescente de medicamentos sem receita médica, como os analgésicos potentes, enquanto o uso de álcool e drogas ilícitas apresenta uma trajetória descendente.
Aumento de medicamentos sem prescrição
De acordo com o Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD), o consumo de analgésicos sem prescrição entre jovens dos 13 aos 18 anos duplicou entre 2019 e 2024. A percentagem subiu de 1,3% para 2,5%, um crescimento proporcionalmente relevante segundo o investigador Vasco Calado. “O aumento do consumo não prescrito de analgésicos fortes destaca-se num contexto em que a utilização da maioria das outras substâncias, como o álcool e as drogas ilícitas, está a diminuir. Isto exige a nossa atenção”, sublinha o mesmo investigador.
Estes fármacos, tradicionalmente usados para aliviar dores intensas, estão a ser utilizados por adolescentes com o intuito de provocar alterações no estado de consciência. O estudo do ICAD indica que os jovens procuram efeitos como alheamento ou sensação de euforia, associando-se muitas vezes a substâncias como o álcool ou a canábis.
Origem doméstica do contacto inicial
Muitos adolescentes têm o primeiro contacto com estes medicamentos dentro do ambiente familiar. Segundo Andreia Ribeiro, psicóloga do ICAD, é comum o acesso surgir através de medicamentos prescritos a familiares ou ao próprio jovem, para tratar ansiedade ou depressão. A partir daí, o uso pode intensificar-se e prolongar-se.
O consumo simultâneo com outras substâncias pode causar efeitos adversos graves. Andreia Ribeiro alerta para situações de confusão mental, episódios de desorientação e, em casos extremos, internamento hospitalar. A mistura de ansiolíticos ou analgésicos com álcool ou estimulantes aumenta os riscos de complicações.
Impacto emocional e comportamentos de risco
Muitos jovens relatam recorrer aos medicamentos para aliviar sofrimento emocional ou para desligar da realidade, noticia o semanário Expresso. Quando combinados com outros comportamentos aditivos, como o uso excessivo de videojogos, os riscos de dependência aumentam, podendo culminar em situações mais graves, como tentativas de suicídio.
Apesar do aumento, Portugal continua com uma percentagem inferior à média europeia. Cerca de 6% dos jovens portugueses admitiram já ter tomado medicamentos sem prescrição, comparando com os 14% registados entre os jovens europeus entre os 15 e os 16 anos.
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Redução do consumo de álcool e drogas
O mesmo estudo revela uma tendência inversa no que toca ao consumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas. O consumo destas substâncias tem vindo a diminuir de forma consistente nas últimas décadas, sendo cada geração menos propensa ao uso do que a anterior.
O investigador Vasco Calado associa esta mudança a novos padrões de sociabilidade. Os jovens passam mais tempo em casa, com menor contacto físico entre pares, o que reduz as oportunidades de consumo. Também destaca uma parentalidade mais protetora, que limita a autonomia e reduz os contextos de risco.
O estudo revela ainda que questões como a preocupação com a imagem corporal e a saúde têm influência nos comportamentos dos adolescentes. Há maior consciência sobre os efeitos negativos do álcool e das drogas, e menor pressão social sobre os rapazes para consumirem estas substâncias.
Mudança nos padrões de afirmação social
Esta pesquisa do ICAD revela que comportamentos que antes eram vistos como formas de afirmação social, como o consumo de drogas e álcool, perderam esse valor entre os jovens. A abstinência é hoje mais aceitável entre os pares, e o bem-estar emocional tende a assumir maior centralidade.
Os especialistas consideram que a tendência entre jovens para recorrer a medicamentos exige um acompanhamento rigoroso. O ICAD reconhece a necessidade de aprofundar os estudos sobre a relação entre este tipo de consumo e fatores como saúde mental e ambiente familiar.
Tanto o ICAD como os profissionais envolvidos apelam a uma intervenção precoce, nomeadamente junto das famílias e das escolas. A sensibilização para os riscos associados ao consumo não prescrito e o reforço da literacia em saúde são apontados como medidas prioritárias.
Prevenir antes que escale
Apesar de os números ainda serem baixos, os especialistas sublinham que a prevenção é essencial para evitar um agravamento desta tendência entre os jovens. A monitorização contínua e o reforço da resposta social e psicológica aos jovens em risco são considerados essenciais.
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