Ana Fazenda já desempenhou vários cargos de relevo ao longo de toda a sua vida profissional. Em entrevista ao POSTAL, a coordenadora regional no Algarve da Comissão Nacional de Proteção das Crianças e Jovens recorda os momentos mais marcantes da sua carreira.
Já passou por várias áreas ao longo da sua carreira, tendo sido presidente de junta e vereadora em Portimão. Como carateriza a sua atividade enquanto política?
Sempre entendi a minha experiência política como uma missão de serviço publico, com o objetivo de servir os portimonenses de forma presente na galvanização das suas aspirações.
Iniciei-me na política em 1998, como autarca na Assembleia de Freguesia, em 2005 como presidente de Freguesia de Portimão e, em 2013, como vereadora na Câmara Municipal de Portimão, com os pelouros de Acão Social, Educação, Cultura, Desporto e Sistemas de Informação, tendo exercido a prática política com grande espírito de missão numa estratégia responsável e cuidada, procurando abolir sempre de mim o lado mais perverso ou maquiavélico da política.
Neste percurso de 22 anos entendo que o serviço político de qualquer autarca deve ser desenvolvido como promotor da qualidade de vidas das populações, num paradigma de competitividade local e regional através de respostas sociais, saúde, cultura, ambiente e economia.
Entre 2017 e 2018 exerceu funções como diretora técnica das residências Vilavó. Como carateriza este período?
Sim, depois de não ter aceite as condições para continuar no projeto politico da autarquia, voltei para a minha entidade de origem, uma IPSS em Portimão que promove respostas sociais para os jovens e para os idosos. Iniciei uma nova função, a de diretora técnica de uma das suas valências – residências unifamiliares Vilavó – que presta serviço a cerca de 30 utentes seniores.
De resto, mesmo na prática política, a área social esteve sempre presente em mim. Num ou noutro espaço, a visão de uma sociedade mais harmónica e socialmente mais justa e equilibrada esteve sempre presente, porquanto sinto integrante a possibilidade de colocarmos a nossas energias e os nossos talentos ao serviço dos nossos concidadãos.
Ana Fazenda coordena as 16 Comissões de Proteção de Crianças e Jovens do Algarve desde abril de 2018
Qual o balanço que faz deste ano e meio?
Não serei a pessoa indicada para falar em causa própria, mas considero este tempo dedicado à coordenação e acompanhamento às 16 CPCJ da região do Algarve francamente positivo. Na verdade, tenho trabalhado com lideranças nacionais de grande nível cognitivo e brilhantes em matéria de relações interpessoais. Por outro lado, esta prática tem-me permitido, em representação da CNPDCJ, descentralizar o apoio e promoção de melhorias no funcionamento das CPCJ, através de um trabalho de proximidade, inclusivamente com as entidades regionais dos serviços representados nas CPCJ, nomeadamente Segurança Social, Educação, Saúde, Administração Interna e ainda com os Procuradores do Ministério Publico, interlocutores das CPCJ.
O que mudou neste período?
Muita coisa, desde logo a consciência por parte dos Comissários das CPCJ de que a resposta aos seus anseios está mais próxima de todos e de cada um, dado que faço reuniões de acompanhamento presencial. Por outro lado, tenho conseguido, em articulação com as CPCJ, colocar o tema do sistema protetivo em discussão publica, através da minha participação em vários fóruns para os quais tenho sido convidada, como coordenadora regional e em representação da Comissão Nacional.
Em traços gerais, qual o balanço que faz destes mais de 15 anos a “servir a população algarvia”?
Dir-lhe-ei, antes de mais, que cada projeto que integro representa um novo desafio, porquanto sinto que alguém confiou em mim para o integrar e por isso dou-me por completo, colocando todas as minhas energias e o meu saber, deixando a minha marca pessoal em cada um deles. Só assim faz sentido trabalhar. Nunca soube viver em águas mornas nos projetos que integrei e integro. Tenho sempre a necessidade de fazer mais e melhor com e para as pessoas que deles dependem, sempre numa perspetiva de alicerçar a melhoria das condições e direitos de cidadania.
A lei não permite que uma família de acolhimento temporário possa vir a adotar a criança. Até que ponto as vantagens não seriam superiores às desvantagens?
O acolhimento familiar é uma nova resposta social, dirigida às famílias dispostas a proteger temporariamente crianças em risco, sobretudo até aos seis anos. Trata-se de crianças que foram retiradas aos pais ou a familiares próximos por se encontrarem em situações de perigo para a sua segurança, saúde, educação, bem-estar e desenvolvimento pessoal, até que estejam reunidas as condições para o seu regresso a casa ou, se isso for impossível, até serem encaminhadas para adoção.
Estas famílias são, também, uma alternativa à colocação destas crianças em determinadas instituições, nomeadamente aquelas que possam não garantir tão bem os cuidados individualizados, ou que, por circunstâncias especiais não consigam transmitir o mesmo afeto e estabilidade emocional que uma família possa proporcionar.
Naturalmente que falamos em abstrato, uma vez que sabemos existirem ótimas Instituições que servem os interesses das crianças e dos jovens acolhidos e também sabemos que existem famílias que não têm perfil para integrarem estas respostas. Por isso, numa linha de identificação com a política governamental, defendo esta medida como preferencial à institucionalização, não sendo deixada ao acaso a observação, o diagnóstico e a avaliação do resultado da mesma.
Acredito que, para casos excecionais, a família de acolhimento possa permitir a tutela parental da criança por parte da família de acolhimento, uma vez que este tipo de resposta mais personalizada permite à criança criar vinculação, ainda que temporariamente, afeto, atenção de uma outra família, candidatando-se à adoção da criança acolhida.
Os processos de adoção são muito morosos em Portugal. Não devia o Estado facilitar a integração destas crianças?
Defendo a simplificação de procedimentos nos processos de adoção. Não consigo aceitar que uma criança espere por uma família de adoção cinco ou mais anos, que é precisamente o mesmo tempo que a criança espera para ser adotada com toda a frustração associada a esta espera.
Ainda assim, existe um mito nesta matéria. O tempo de espera também está associado ao perfil da criança desejada. Está provado que os processos de adoção são mais rápidos no caso de crianças com idades inferiores aos oito anos. Há poucos candidatos para adotar crianças a partir destas idades. Mas, a idade não é o único elemento que ajuda a acelerar o processo. Quanto mais os candidatos alargarem os parâmetros de escolha quanto a sexo, raça, idade, doenças, religião, menos tempo demora a adoção. “A grande maioria dos processos que dá entrada é com preferência de bebés e meninas, porque há o mito de que as meninas dão menos trabalho”.
Quando é que uma criança é legalmente considerada como estando em perigo, ao ponto de ser institucionalizada?
Segundo o artigo 3º. da LPCJ, a legitimidade da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal, ou quem tenha a guarda efetiva, ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
São várias as situações que podem pôr em perigo uma criança: desde logo o abandono, maus tratos, comportamentos que afetem a sua segurança ou equilíbrio emocional ou quando ela assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento, sem que os pais ou quem tenha a sua guarda se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
O legislador pretendeu elencar uma série de situações exemplificativas. Ainda assim, existem outras ocorrências, não descritas na normatividade, as quais sejam igualmente suscetíveis de configurar perigo para a criança ou para o jovem e que podem fundamentar a intervenção da proteção.
Qual é o papel das CPCJ?
Segundo o princípio orientador da subsidiariedade, a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, pelas CPCJ e, em última instância, pelos tribunais.
O papel das CPCJ coloca-se ao nível da intervenção na proteção das crianças e dos jovens, sempre que não seja possível às entidades de primeira linha, constantes do artº. 7º da LPCJ, atuar de forma adequada e suficiente a remover o risco e o perigo em que as crianças ou os jovens se encontram, ou seja quando se esgota, sem sucesso na situação de perigo vivenciada pela criança, a intervenção das entidades de primeira linha, mesmo aí com os consensos exigidos legalmente. Se essas entidades não conseguem atuar de forma adequada e suficientemente eficaz para remover esse perigo, há que remeter a situação ao outro degrau do sistema protetivo, às CPCJ.
Quais são as suas expetativas futuras relativamente à área da Proteção de Crianças e Jovens?
O Sistema Protetivo Português em que assenta o nosso sistema de Promoção e Proteção da Criança e do Jovem, baseia-se no pressuposto de que cada comunidade é responsável pelas suas crianças, no respeito pela responsabilidade das famílias, nomeadamente os seus pais, responsáveis legais, ou quem de direito tenha a guarda de facto.
É um sistema que nos convoca a todos e a cada um dos intervenientes, entidades com competência em matéria de infância e juventude, comissões de proteção de crianças e jovens e tribunais.
Trata-se de um sistema que já atingiu a maioridade, que muito conquistou nestas duas décadas, sendo inquestionável o quanto tem zelado pela concretização dos direitos das crianças.
Ao longo deste tempo, este sistema foi-se robustecendo para dar resposta às mudanças que foram ocorrendo, nomeadamente jurídicas, mas também aos novos desafios e situações que foram surgindo. Dou, como exemplo, a obrigatoriedade da escolaridade dos 6 aos 18 anos.
E, se hoje temos desafios mais complexos, também estamos mais exigentes, uma vez que intervimos num sistema que exige uma concertação de esforços na intervenção do perigo e da prevenção.
O que é que ainda falta fazer nesta área?
O caminho faz-se caminhando, com algumas conquistas realizadas já por esta presidência, nomeadamente ao nível da divulgação dos direitos da criança, em diferentes fóruns, a formação promovida pela CNPDPCJ aos comissários das CPCJ a nível nacional, o reforço técnico dos representantes do Ministério da Educação nas CPCJ, uma conjugação de esforços que faz a diferença pelo fantástico e dedicado trabalho que todos desenvolvem, numa cultura de governança integrada.
Quais considera serem os principais desafios a médio/ longo prazo?
Os desafios que se colocam nesta matéria passam pela dotação de maior tempo de afetação dos membros às CPCJ na sua modalidade restrita, de forma a que o trabalho processual se faça com maior rapidez e eficiência. Não podemos esquecer que cada processo representa uma criança ou um jovem que precisa de uma intervenção rápida.
Quanto ao seu futuro profissional, quer levantar um pouco do véu?
Considero-me uma “pessoa de convicções”, que se move “por causas”.
Em 22 anos de exercício de prática política, ao serviço do Partido e da sociedade em que milito, tenho respondido com todo o meu entusiamo e dedicação aos desafios que se me têm colocado e que tenho abraçado.
Não me entusiasmo com as querelas partidárias e os jogos de bastidores. Pelo contrário, o meu entusiasmo reside sempre nos projetos que impliquem a minha contribuição pela melhoria da qualidade de vida das pessoas que represento e sirvo.
Neste contexto estarei sempre disponível para abraçar novos projetos e compromissos que impliquem a potenciação da nossa cidadania, seja a que nível for, junto de pessoas que necessitem verdadeiramente que as representemos em órgãos decisivos na defesa dos seus interesses. Penso que hoje temos uma opinião pública mais esclarecida e que sabe distinguir o trigo do joio e só assim podemos merecer o seu voto, a sua confiança.