Atacado por todos os lados por causa do “truque” criado em torno das pensões, o primeiro-ministro foi esta quarta-feira forçado a explicar o que vai, afinal, acontecer às pensões nos próximos anos. Jogando com as palavras, Costa garante que não haverá qualquer corte nas pensões e que ninguém “receberá menos” no final de 2023 do que teria direito, mas admite que a lei que permite aos pensionistas receber mais por causa da inflação pode “pôr em causa a sustentabilidade da Segurança Social”. E, nesse sentido, não será cumprida na íntegra.
Em causa está o facto de a lei de atualização das pensões, ao contrário do que acontece com a atualização dos salários, decretar que o aumento das pensões é feito em função do crescimento anual do PIB nos últimos dois anos e da variação média da inflação no último ano. Com a inflação historicamente alta, tal significa que os pensionistas teriam direito, em 2023, a um aumento na ordem dos 7,1 a 8%. Com as medidas agora anunciadas, o Governo reparte esse aumento em dois momentos, dando o equivalente a metade do aumento previsto já em outubro, numa espécie de ‘balão de oxigénio’, mas depois só aumenta metade do que seria previsto no ano que vem. Problema: o bónus de outubro, além de ser sujeito a impostos, não entra para o vencimento base, pondo em causa o tamanho de aumentos futuros.
“Os pensionistas vão ter um aumento que compensa a inflação e que garante que, até ao final de 2023, todos receberão o mesmo que receberiam se cumpríssemos a fórmula na íntegra”, disse, lembrando que os pensionistas “sabem o que é cortar pensões, que é estarem a ganhar 100 e no dia a seguir ganharem menos, e o que nós estamos a fazer não é isso”. É, contudo, um corte, face à fórmula de aumento prevista por lei. Ou seja, em 2023 a pensão base que servirá de cálculo às pensões futuras será menor do que seria se a lei tivesse sido cumprida na íntegra, sem o bónus de outubro.
Como o Expresso escreveu, no curto prazo os pensionistas terão mais dinheiro no bolso mais cedo, numa altura em que o custo de vida está a disparar mas, a médio e longo prazo, com esta fórmula criativa vão perder dinheiro. Quanto? De acordo com simulações feitas pelo economista e professor da Universidade Nova de Lisboa, Jorge Bravo, para o Expresso, um reformado de 65 anos poderá perder, em média, cerca de 600 euros por ano até ao final da vida – face ao que ganharia se a atual lei fosse cumprida na íntegra.
A lei, criada em 2006 pelo então ministro António Vieira da Silva, e amplamente elogiada por António Costa, está agora em causa uma vez que nunca antes se registaram níveis de inflação tão elevados. E António Costa admite isso mesmo: “transformar a inflação deste ano num impacto permanente poria em causa a sustentabilidade futura da Segurança Social (…) e todos sabem que quando chegar a vez dos mais novos receberem reforma, a Segurança Social tem de estar sólida”.
Mais: “Temos consciência do grau de incerteza em que vivemos, alguém sabe se a guerra termina em 2024? Alguém sabe qual vai ser a inflação de 2024?”, atirou o primeiro-ministro, deixando em aberto o que vai acontecer em 2024 e desvalorizando quem está a pôr a tónica nos aumentos – maiores ou menores – desse ano.
“Tal como estivemos a responder às necessidades de aumento do rendimento, cá estaremos daqui a um ano para, em função da realidade da inflação e da economia do país, podermos fixar o aumento para 2024. Ninguém perderá um cêntimo ate final de 2023 [em termos nominais] e em 2024 ninguém vai receber menos do que recebeu em 2023. Quando discutirmos o aumento para 2024 logo vemos”, concluiu.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL