“Adriano Moreira é um sábio”, resume Paulo Portas, ex-presidente do CDS e antigo ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros. “Adriano Moreira distingue-se por duas grandes qualidades: a primeira é a solidez e coerência do seu percurso intelectual e a segunda qualidade é a capacidade de abertura e diálogo com outras correntes de pensamento e opinião”, elogia Augusto Santos Silva, atual presidente da Assembleia da República e, como Portas, antigo ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros. Duas áreas em que Portugal beneficiou da sabedoria de Adriano Moreira, o político e académico que esta terça-feira faz 100 anos. Um século de vida, com muitas décadas de serviço a Portugal no Direito, na Academia, na política, em ditadura e em democracia.
“Muito mais do que o seu notável percurso político, aliás complexo, impressiona-me em Adriano Moreira o seu grande apego à Universidade e ao magistério correspondente”, diz João Bosco Mota Amaral, num depoimento ao Expresso. Este antigo presidente do Governo regional dos Açores e da Assembleia da República arruma a faceta política de Adriano Moreira no domínio do “complexo” e prefere exaltar o “mestre” com influência além fronteiras.
Adriano Moreira foi preso político na ditadura e conheceu Mário Soares na prisão, onde ficaram amigos para a vida. Mas também foi ministro no Estado Novo, ficando associado ao fim do estatuto de portugueses de segunda, mas também à reabertura do Campo do Tarrafal. Queria fundar universidades em Angola e Moçambique e preparar uma classe média nas então colónias que garantisse o funcionamento daqueles países na independência. “A meu ver Adriano Moreira foi, naqueles difíceis anos 60,o homem de Estado que tinha uma visão de reforma e progresso para a questão ultramarina. Se Salazar o tem deixado prosseguir o seu plano, é bastante possível que Portugal tivesse terminado o ciclo imperial pacificamente, as independências tivessem sido preparadas, não teria te havido, guerra, não sofreríamos o processo revolucionário nem teríamos caído na chamada ‘descolonização exemplar’”, acredita Portas.
Frustrados os seus planos, foi na academia que sempre encontrou lugar de recuo na atividade política, mas de avanço no conhecimento. É “um dos pioneiros da introdução da Ciência Política nos estudos de nível universitário no nosso País. Possuindo grande capacidade de fazer discípulos –o que o torna, mais do que um Professor, um Mestre – espalhou a sua influência pelas Universidades de Portugal, dos Países de Língua Oficial Portuguesa e até do Estrangeiro, onde os seus livros são lidos e o seu ensinamento respeitado”, salienta Mota Amaral.
Santos Silva, também ele um professor universitário que encontrou lugar na política, distingue 3 “facetas fundamentais” na atividade académica de Adriano Moreira. “A primeira é relacionada com o estudo do Estado português na perspetiva histórica e da longa duração. Adriano Moreira procura identificar o que entende ser interesses nacionais permanentes de Portugal, consolidados ao longo dos tempos. Desse ponto de vista insiste sobretudo sobre os traços de continuidade histórica que têm sobrevivido às mudanças de regime e às mudanças de épocas históricas e que vem definindo esses tais interesses estratégicos permanentes da Nação e do Estado português”, diz o presidente do Parlamento, num depoimento a pedido do Expresso.
“A segunda faceta tem a ver com os estudos sobre Segurança e Defesa nos quais Adriano Moreira tem sido não apenas um pensador crucial no contexto português, como um mestre de sucessivas gerações de militares e outros profissionais de segurança, entendida no seu sentido mais lato”, prossegue Santos Silva. E a “terceira faceta relaciona-se com o pensamento político e aí Adriano Moreira tem procurado partir da matriz democrata-cristã e da matriz conservadora para consolidar um pensamento político de centro-direita democrático em Portugal inspirado sobretudo na doutrina social da Igreja”.
Também Portas salienta a dedicação à doutrina social da Igreja. “Tem muitas causas e duas em especial : a doutrina social da Igreja e as instituições como fonte do equilíbrio das Nações”, diz o antigo líder do CDS, partido que Adriano Moreira liderou em anos difíceis da década de 80, quando o partido foi reduzido a 4 deputados. Agora, que o CDS ficou mesmo sem nenhum deputado, Adriano Moreira fez questão de enviar uma mensagem ao último Congresso, apelando à resistência.
“O CDS foi o responsável português pela doutrina social da Igreja. Nesta data, com o agravamento da crise na comunidade internacional, o que o Papa faz é repor a importância e respeito pela humanidade, objetivos que o nosso partido sempre assumiu. É por isso que o país não o pode dispensar. Acreditem sempre, não desistam”, escreveu em julho.
Ele, centenário, não desiste e tem continuado a partilhar a sua sabedoria. “Ainda agora, o seu gosto de reflectir em público e de fazer pensar, leva-o a manter o seu magistério activo, através de conferências e artigos de jornal, que não são meras provas de vida e de domínio pleno das suas faculdades mentais, mas verdadeiras lições de sabedoria de quem viveu muito e partilha generosamente a experiência adquirida”, agradece Mota Amaral.
E o presidente da Assembleia da República, com a autoridade de quem está noutro espetro político, não tem dúvidas sobre o contributo de Adriano Moreira para Portugal: “A sua contribuição nas facetas académicas que escolhi distinguir tem sido absolutamente essencial para o avanço dos estudos em Portugal sobre o Estado, sobre a Segurança e Defesa e sobre o pensamento político na pluralidade de correntes e opiniões que é sem dúvida um fator de enriquecimento desses estudos.”
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL