Portugal, ao longo das últimas décadas, tem mantido relações comerciais com diversas nações, incluindo regimes autoritários como o Irão, Cuba e Venezuela. No entanto, esta realidade coloca um dilema ético de grande relevância: o de saber se estas relações económicas, na prática, não se traduzem num apoio tácito a regimes que reiteradamente violam os direitos humanos e reprimem os seus próprios cidadãos.
A análise dos dados disponibilizados pela AICEP revela que, embora o volume de negócios com estas autocracias seja relativamente pequeno em comparação com outros parceiros comerciais, ainda assim, Portugal continua a manter um relacionamento significativo com esses países. No caso do Irão, as exportações de produtos como Máquinas e Aparelhos, Metais Comuns e Produtos Químicos, representam um risco potencial de fornecer material que possa ser usado em fins militares ou de repressão interna. Cuba, por outro lado, apresenta um défice comercial agravado, mas o impacto económico do turismo português naquele país é considerável, ultrapassando, segundo algumas estimativas, os 110 milhões de euros anuais. Já com a Venezuela, as relações comerciais, centradas sobretudo na importação de petróleo, reforçam o envolvimento indireto de Portugal no financiamento de um regime autoritário e das suas ligações internacionais, incluindo o apoio indireto à guerra russa na Ucrânia.
O Algarve, sendo uma região historicamente ligada ao comércio internacional e ao turismo, precisa de refletir sobre o papel que desempenha neste cenário. A sua posição como porta de entrada para visitantes e investidores coloca a região numa posição única para liderar um movimento de maior transparência e responsabilidade social nas relações comerciais. A promoção de práticas éticas e sustentáveis pode e deve ser uma prioridade, influenciando positivamente a forma como o país lida com estes regimes.
É claro que a diversificação dos parceiros comerciais de Portugal é necessária e, mais do que isso, é urgente. Continuar a depender de regimes autoritários, seja pelo acesso a recursos naturais ou por interesses comerciais, compromete os princípios democráticos e de respeito pelos direitos humanos que o nosso país defende. O Algarve, enquanto região, deve usar a sua visibilidade para sensibilizar o público e as autoridades nacionais sobre a importância de adotar práticas comerciais responsáveis.
É essencial que o Governo português tome medidas concretas, nomeadamente a avaliação do impacto social e ambiental das relações comerciais com estes países, a promoção da transparência nas operações comerciais e o reforço do apoio às organizações da sociedade civil que promovem a democracia e os direitos humanos. Além disso, a Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP) e a AICEP devem prestar esclarecimentos sobre as empresas envolvidas nestes mercados e garantir que estas cumprem padrões éticos e ambientais rigorosos.
O Algarve tem uma oportunidade de se afirmar como um modelo de boas práticas e de defesa dos direitos humanos, utilizando a sua influência no setor turístico e comercial para exigir maior responsabilidade ética nas relações económicas de Portugal. Ao sensibilizar o público e pressionar por políticas mais justas, a região pode demonstrar que o desenvolvimento económico e a defesa dos direitos humanos não são objetivos incompatíveis, mas sim partes integrantes de uma sociedade mais justa e consciente.
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