O Algarve parece estar constantemente no limiar entre a promessa de desenvolvimento e a realidade de um esquecimento crónico. A proposta que vai ser apresentada ao 42º Congresso do PSD por Faro, intitulada “Dar a Volta ao Algarve”, reconhece, finalmente, algumas das dores profundas da região, mas será que oferece soluções verdadeiramente estruturais ou apenas um jogo de retórica política?
Entre os desafios apontados, destaca-se a dependência excessiva do turismo, um problema que há décadas é discutido sem que mudanças reais tenham sido implementadas. O turismo sazonal mantém a economia algarvia refém das flutuações globais, enquanto pressiona os recursos naturais e aumenta os custos de vida para os residentes. O PSD propõe a diversificação económica, defendendo um reforço da agricultura sustentável, tecnologia, indústrias criativas e pescas. No entanto, não é a primeira vez que ouvimos estas soluções propostas; a questão permanece: onde vai estar a ação concreta e o compromisso com a sua execução?
O Algarve já demonstrou, vezes sem conta, a sua resiliência e potencial. Falta apenas que os decisores políticos acompanhem essa vontade de mudança com ações reais
Outro ponto crítico é o estado do Sistema Nacional de Saúde (SNS) na região. A construção do Hospital Central do Algarve é referida como uma prioridade, algo que sucessivos governos já prometeram e falharam em concretizar. A falta de médicos e enfermeiros, a sobrecarga dos hospitais e a inexistência de respostas adequadas para uma população que duplica durante os meses de verão são sintomas de um problema profundo de desinvestimento. A resposta proposta passa por reforçar os cuidados primários e atrair profissionais com incentivos financeiros. Mas, pergunto: será suficiente sem uma transformação radical no financiamento e gestão das infraestruturas de saúde?
Não podemos ignorar o desafio da água, vital numa região propensa à seca. O relatório propõe medidas como a reutilização de águas residuais e a construção de dessalinizadoras, mas estas ideias já foram discutidas anteriormente. O que falta, de novo, é a implementação. A situação é crítica, com albufeiras abaixo de 20% da capacidade, e a inércia face à urgência continua a ser o maior obstáculo.
A habitação também merece destaque, com a proposta a sugerir uma maior autonomia dos municípios na gestão de solos, para a construção de habitações a preços controlados. Contudo, sem apoio financeiro robusto por parte do governo central, será difícil que as autarquias, já sobrecarregadas, consigam implementar estas medidas de forma eficaz.
E tão ou mais grave: enquanto os salários em Portugal continuarem abaixo, muito abaixo, de quem nos visita, continuaremos a ter de abandonar os principais centros urbanos a favor dos estrangeiros com muito maior poder de compra. Quantas à construção de novas habitações, o lobby municipal e governamental continuará menos burocrático para quem estiver disponível para comprar “favores” ou financiar uma outra campanha partidária.
A questão da habitação também merece destaque, com a proposta a apontar para uma maior autonomia dos municípios na gestão dos solos, de forma a facilitar a construção de habitações a preços controlados. No entanto, sem um apoio financeiro robusto por parte do governo central, será difícil que as autarquias, já sobrecarregadas, consigam implementar estas medidas de forma eficaz. Mais grave ainda é que, enquanto os salários em Portugal continuarem significativamente inferiores aos dos estrangeiros que nos visitam, os residentes continuarão a ser empurrados para fora dos principais centros urbanos, cedendo lugar a quem tem um poder de compra muito superior. Em relação à construção de novas habitações, o processo burocrático municipal e estatal continuará a ser mais acessível para quem estiver disposto a “comprar favores” ou financiar mais uma campanha partidária.
No campo dos transportes, a eletrificação da linha ferroviária e as prometidas melhorias na EN-125, tão necessárias para a segurança e mobilidade, estão atrasadas, como de costume. É irónico que uma região que tanto depende da mobilidade e acessibilidade para o turismo e para os seus residentes ainda enfrente falhas tão básicas.
Assim, a proposta temática do PSD é ambiciosa, sim, mas a sua eficácia dependerá da sua execução. O Algarve está saturado de promessas que não se cumprem. O governo e as forças políticas devem finalmente agir, e não apenas discursar, para que a região possa, de facto, “dar a volta” que tanto precisa. Afinal, o Algarve já demonstrou, vezes sem conta, a sua resiliência e potencial. Falta apenas que os decisores políticos acompanhem essa vontade de mudança com ações reais.
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