Seios e Óvulos é o primeiro romance traduzido para português da romancista japonesa Mieko Kawakami, por Renato Carreira (a partir da tradução inglesa), publicado pela Casa das Letras.
A autora, natural de Osaka, vive em Tóquio. Recebeu vários prémios literários internacionais como o Prémio Akutagawa, o Prémio Tanizaki e o Prémio Murasaki Shikibu. Foi referenciada por Haruki Murakami como a mais importante escritora da atualidade no Japão.
Natsu, uma mulher de 30 anos a viver sozinha em Tóquio, é visitada pela irmã mais velha, Makiko, e pela filha adolescente desta, Midoriko. Contada na primeira pessoa, a narrativa torna-se constantemente digressiva, quer pelas analepses constantes que lançam luz sobre o decorrer da ação, nomeadamente, sobre o passado das duas irmãs e a forma como cresceram sozinhas, depois do pai ter desaparecido e a mãe ter falecido quando ainda eram novas. A par das digressões constantes, seguindo o fluxo de pensamento de Natsu, há ainda diversos momentos em que a prosa se adensa e toma contornos misteriosos, de thriller psicológico. O pouco que sabemos sobre este triângulo de mulher é que Natsu é uma aspirante a escritora – e vive para escrever, mas não consegue avançar com o seu romance -, Makiko está obcecada com implantes mamários e traz consigo uma miríade de brochuras, com os mais diversos procedimentos, enquanto que Midoriko se recusa a falar com a mãe. Fala com os amigos, os colegas e os professores, mas não dirige uma palavra à mãe há seis meses. Limita-se a escrever num caderno que leva consigo, a par de outro caderno que serve de diário, cujas entradas intercalam a narração de Natsu, e nos dão a perceber como a jovem está expectante com o que é isso de ter o período e tornar-se mulher. Mais tarde o leitor compreende o óbvio: a irmã mais velha quer fazer uma cirurgia plástica de aumento mamário, a um preço mais acessível, até porque o seu trabalho é acompanhar homens que bebem num bar pela noite dentro.
A tensão entre mãe e filha escala, até terminar numa cena alucinante que envolve duas dúzias de ovos…
Na segunda parte do romance (o livro dois), agora em 2016, uma década depois, reencontramos Natsu, agora uma escritora relativamente bem-sucedida, já com o seu primeiro romance publicado e autora de várias colunas, e acompanhamo-la quando parte numa outra viagem, desta vez à sua terra natal, enquanto se sente dominada por uma crescente ansiedade de ser mãe solteira.
O que significa ser mulher? O que implica trazer um filho ao mundo? A mulher tem o direito de ser mãe sem dar à criança um pai? Estas e muitas outras questões em torno da condição feminina são levantadas por esta autora, que não quer ser simplesmente rotulada de “feminista”. Curiosamente, personagens masculinas são aqui praticamente inexistentes – como acontece com o pai ausente da narradora. O único homem que entra em cena fá-lo a mais de meio do livro. E é em torno do segundo homem que se cria uma cena – na verdade um longo monólogo – tão delirante quanto cómico, que rapidamente desemboca em tragicomédia.
Uma prosa cativante, misteriosa, hipnótica. O final é verdadeiramente arrebatador e emocionante.
Nascida em Osaka, estreou-se na literatura como poetisa e publicou a sua primeira novela, My Ego, My Teeth, and the World, em 2007. Os seus livros, traduzidos em mais de 20 línguas, são conhecidos pelas suas qualidades poéticas, uma particular visão do corpo feminino, e pela sua preocupação com a ética e a sociedade moderna.
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