A revista Granta em Língua Portuguesa, publicada pelas Edições Tinta-da-china, chega ao número 12, com o justíssimo título «Quente», até porque este volume foi lançado agora em Agosto. Ainda não terminámos este Verão, mas consta que 2023 foi o ano mais quente da História. Este mais recente número da revista literária dirigida por Pedro Mexia e Gustavo Pacheco reúne textos de autores de língua portuguesa, convidados a escrever textos originais, como Beatriz Batarda, Claudia Clemente, Breno Kümmel, assim como José Carlos Barros (com um conto sobre o desespero no isolamento rural do sul de um país, onde a paisagem abandonada se parece apenas transformar em pasto de incêndio – enquanto outros incêndios, amorosos e virais, nos queimam por dentro), João Sousa Cardoso (com um ensaio sobre a febre dos turistas aos museus ardidos cujas colecções ainda assim sobrevivem ao fogo, nesta nova era de registos virtuais), Natalia Borges Polesso, Waldson Sousa e Gustavo Pacheco – que com esta edição encerra os seus 5 anos de colaboração.
A revista conta ainda com o contributo de escritores internacionais consagrados, como Alejandro Zambra (com um texto autobiográfico do seu mais recente livro, Literatura infantil), Lauren Oyler, Hanif Kureishi (que fala sobre a repressão da alegria física e do ritmo quente num Estado repressivo e militarista), Bruna Kalil Othero, Patricio Pron, Owen Sheers. Há textos traduzidos por tradutores sobejamente conhecidos, como Guilherme Pires, Alda Rodrigues ou Elsa T.S. Vieira.
A direcção de imagem é de Daniel Blaufuks. Há dois ensaios fotográficos, um de Luiza Baldan e outro de Mário Macilau.
«Agora tudo é quente. A temperatura, a identidade, os museus, o galanteio, os pronomes, as estátuas, tudo. O conflito existe em todas as sociedades humanas e em todos os humanos, mas durante os últimos séculos convencemo‑nos de que a ‘razão’, a ‘democracia’, a ‘esfera pública’ e o ‘debate’ enquadravam o conflito. Isso terá acabado, ou acabado por agora. Há virtudes no fim dos consensos, dos cânones, dos valores universais? Talvez haja, mas são mais os perigos.» (no Prefácio de Pedro Mexia)
O tema «Quente» escolhido para dar mote a esta edição desdobra-se, na verdade, em diversas e surpreendentes temáticas: desde as alterações climáticas a aventuras em águas termais, passando ainda pelos efeitos do calor no corpo ou pelo lançamento da primeira bomba de hidrogénio da Grã-Bretanha, criadora de um clarão, aceso como o próprio universo, que cegou as aves.
Afirma Gustavo Pacheco, num segundo Prefácio, que:
«No princípio era o Quente — e no final também. Há algo de tristemente irônico no fato de que o ser humano só pode existir onde há calor, e ao mesmo tempo sua existência esteja ameaçada pelo calor que ele mesmo gerou. O escritor indiano Amitav Ghosh, no livro O grande desatino: mudanças climáticas e o impensável, argumenta que a crise que vivemos é resultado da incapacidade das sociedades modernas de reconhecer e enfrentar a magnitude das mudanças climáticas, e que essa incapacidade se manifesta tanto na política quanto na ficção contemporânea.»
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