O delirium (ou estado confusional agudo) caracteriza-se clinicamente pela instalação súbita (horas ou dias) de alterações do estado de consciência (capacidade reduzida de focar, manter ou alternar a atenção), défices cognitivos (défice de memória, desorientação, dificuldade de expressão) e alterações de comportamento (ex.: agitação, apatia, insónia).
Esta perturbação neuropsiquiátrica afecta até 30% das pessoas mais velhas com doença médica aguda durante o internamento hospitalar. A idade avançada e a existência de défices cognitivos prévios (ex.: demência) conferem um maior risco para delirium. As causas mais comuns de delirium são doenças agudas (ex.: infecções), alterações metabólicas, cirurgias urgentes (ex.: fractura da anca), traumatismos, dor intensa e fármacos.
Está bem estabelecido que durante o internamento hospitalar, um episódio de delirium agrava o prognóstico do doente e, a longo prazo, acarreta um risco aumentado de demência, aceleração de demência pré-existente, institucionalização permanente e morte. Por isso, o reconhecimento precoce de um episódio de delirium é fundamental pois permite a identificação das causas orgânicas subjacentes e corrigi-las logo que possível. Para esse efeito, é essencial proceder-se a uma avaliação clínica e laboratorial bem como rever a medicação, suspendendo todos os fármacos não absolutamente necessários, nomeadamente os que apresentem potencial anticolinérgico.
No entanto, muitos casos de delirium não são devidamente diagnosticados. Isto ocorre sobretudo em doentes com demência prévia já que os sintomas de delirium são erradamente atribuídos aos défices pré-existentes. Por isso, recomenda-se que os doentes com maior risco de delirium (idade ≥ 65 anos, demência, fractura da anca ou doença médica grave) devem ser submetidos a avaliações clínicas mais regulares.
Cerca de 30% dos casos de delirium podem ser prevenidos com intervenções individualizadas e multidisciplinares que abordam factores como défices cognitivos/desorientação, desidratação, dor, nutrição, privação sensorial e alterações do sono. As intervenções não farmacológicas devem também ser oferecidas a doentes com delirium e incluem mobilização precoce, manutenção de um ambiente calmo e sem ruídos, correcção dos défices sensoriais e minimização de intervenções desconfortáveis.
A investigação na área do delirium tem conhecido recentemente progressos assinaláveis. A par com o desenvolvimento de programas que têm melhorado significativamente a qualidade dos cuidados oferecidos aos doentes, os estudos em modelos animais têm permitido explorar o que ocorre no cérebro durante um episódio de delirium. Este conhecimento permitirá no futuro desenvolver biomarcadores fiáveis de disfunção cerebral aguda e desenvolver novas abordagens terapêuticas.
Este tema vai estar em destaque no 11º Congresso da Associação Europeia de Delirium que irá decorrer no Hotel Dom Pedro, em Vilamoura, nos dias 3 e 4 de Novembro deste ano. A iniciativa conta com a organização local da Cérebro & Mente – Associação para o Desenvolvimento em Investigação em Saúde Mental.
* Psiquiatra e presidente da Cérebro & Mente – Associação para o Desenvolvimento em Investigação em Saúde Mental