Sim. Este é mais um texto sobre a pandemia e a questão da Polónia e da Hungria e os Fundos Comunitários e o Estado de Direito a juntar a muitos já existentes. Informo o caro leitor que não sou um entusiasta nem apoiante do actual projecto europeu por verificar uma divisão entre os diversos Estados-Membros bem como as oportunidades para os jovens a nível de erasmus, voluntariado, projectos culturais e sociais depende do Estado-Membro onde vivem/nascem ser mais ou menos preveligiado, entre outros aspectos. Contudo é importante saber o que é o projecto europeu.
A evolução do projecto europeu desde a Comunidade Europeia do Aço e do Carvão (CECA) até à União Europeia (U.E.) e com os seus sucessivos alargamentos, trouxe-nos a um espaço mais diverso em termos de pensamento, com uma matriz económica própria e com diferentes opções geopoliticas. Neste sentido pode-se afirmar que devemos olhar para o projecto europeu não como uma entidade estática mas sim como uma entidade viva em constante processo de mutação que normalmente resulta em posição diferentes por parte de várias forças politicas que levam alguns cidadãos a optarem por uma posição critica mais ou menos positiva, mais ou menos inquisidora relativamente à U.E.. Actualmente a U.E. tem um conjunto de valores acordados e aceite por todos os Estados-Membros e que pode ser consultado por qualquer cidadão em www.europe.eu, onde pode-se ler: “Os valores da U.E. são comuns aos paises que a compõem numa sociedade em que prevalecem a inclusão, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a não discriminação. Estes valores são parte integrante do modo de vida europeu.”. Ora esses valores são a dignidade do ser humano, a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de direito e os Direitos Humanos. É na questão do Estado de direito que houve algum atrito entre os diversos Estados-Membros, mais própriamente com a Polónia e Hungria, tendo contado com o apoio de alguns outros Estados entre eles Portugal e Eslovénia, contra os restantes parceiros europeus.
A 16 de novembro de 2020 foi bloqueado, pela Hungria e Polónia, a aprovação do Programa de Recuperação e o Orçamento Comunitário não pelo conteúdo mas sim pelo facto de o uso destes fundos estarem condicionados a critérios com os quais estes dois Estados-Membros não concordavam, como é o caso do Estado de direito, levando o eurodeputado alemão dos verdes, Daniel Freund, a afirmar junto da euronews: “Enquanto não houver unanimidade, não se pode adotar o pacote e o dinheiro não pode ser desenbolsado para quem dele está à espera. Há milhares de pequenas empresas que estão à beira da falência e que aguardam por algum deste dinheiro. Milhões de cidadãos também estão à espera destes fundos. Não nos resta muito tempo.”, sentimento partilhado por muitos eurodeputados e governos europeus de todos os quadrantes politicos. Mas o que é o Estado de direito? De acordo com o site da U.E. (www.europe.eu) “O Estado de direito é um dos valores fundamentais da UE consagrados no artigo 2º do Tratado da União Europeia. É também uma condição prévia para a protecção de todos os outros valores fundamentais da União, incluindo os direitos fundamentais e a democracia. O respeito pelo Estado de direito é essencial ao próprio funcionamento da U.E., nomeadamente à aplicação efectiva do direita da UE, ao bom funcionamento do mercado interno, à manutenção de um ambiente favorável ao investimento e à confiança mútua. No centro do Estado de direito está uma protecção judicial efectiva, que requer sistemas judiciais nacionais independentes, de qualidade e eficazes.”. Ao verificar o relatório de 2020 sobre o Estado de direito da Polónia e Hungria apercebemo-nos de dois Estados-Membros com situações que devem suscitar a nossa preocupação. Pode-se ler no relatório sobre a Hungria que a sua independência judicial “(…) tem sido apontada pelas instituições da E.U. como fonte de preocupação, nomeadamente no procedimento previsto no artigo 7º., n.º 1, do TUE iniciado pelo Parlamento Europeu. O apelo ao reforço da independência judicial, lançado no contexto do Semestre Europeu, continua sem resposta. (…) Novas regras permitem a nomeação, à margem do procedimento normal, de membros do Tribunal Constitucional, eleitos pelo Parlamento, para o Supremo Tribunal e diminuem o grau de exigência dos critérios de elegibilidade para o cargo de presidente do Supremo Tribunal. “. O relatório sobre a Hungria alerta ainda para uma grave falha na luta contra a corrupção, bem como a existência de uma “(…) limitação da possibilidade de supervisão pelos cidadãos no contexto das restrições à liberdade dos meios de comunicação, um ambiente hostil às organizações da sociedade civil e os novos desafios constantes à aplicação de transparência e do acesso às regras de informação pública(…)” bem como a falta de independência e eficácia do Conselho dos Meios de Comunicação, as sistemáticas obstruções e intimidações dos meios de comunicação independentes e respectiva tendêndica de aquisição dos mesmos. No caso polaco, o relatório é menos gravoso mas revela um conjunto de suspeitas quanto às reformas da justiça que vêm a ser realizadas desde 2015 que deram um aumento da influência dos poderes legislativos e executivo no sistema judicial fragilizando a independência do mesmo. Este caso fez com que em 2017 inicia-se o procedimento ao abrigo do artigo 7º, n.º 1, do TUE, tendo a comissão, em 2019 e 2020, iniciado mais “(…) dois novos processos por infracção para salvaguardar a independência judicial, e o Tribunal de Justiça da UE determinou medidas provisórias para suspender os poderes da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal no que diz respeito a processos disciplinares contra juizes” (Relatório do Estado de direito 2020, Polónia). No que toca à liberdade de imprensa, o relatório sobre a Polónia revela uma tendência de influência politica sendo o “(…) quadro jurídico relativo à transparência da propriedade dos meios de comunicação (…)” não “(…) aplicável de forma equitativa a todos os intervenientes desse sector.” faltando “(…) salvaguardas regulamentares que limitem o controlo politico exercido sobre os meios de comunicação na Polónia.” no que diz “(…) respeito a regras em matéria de conflitos de interesses entre os proprietários dos meios de comunicação e os partidos no poder, grupos partidários ou politicos.”.
Os relatórios são claros quanto às infracções e o debate divide-se entre este caso ser únicamente judicial ou não. Se for um caso únicamente judicial, como defende a Polónia, Hungria e outros Estados-Membros como Portugal e Eslovénia com base no artigo 7º., este documento pode, somente, servir de apoio aos juizes do TUE para uma conclusão dos processos de infracção abertos, não devendo tal relatório colocar de fora dois Estados-Membros do apoio financeiro discutido para fazer face ao COVID-19. Por outro lado, se todos os Estados-Membros assinaram o Tratado Europeu que defende valores como a dignidade do ser humano; liberdade; a democracia; a igualdade; o Estado de direito e os Direitos Humanos, então é mais do que compreensível que a obrigação do cumprimento destes valores seja uma cláusula para a atribuição de Fundos Comunitários. Seja qual for o ponto de vista, a presente situação somente demonstra o desprezo dos Estados-Membros aos direitos fundamentais da U.E. quando estes envolvem avoltadas quantias de dinheiro, sendo, infelizmente, correcto afirmar-se que todos os valores europeus têm um preço. Ao mesmo tempo, esta situação só demonstra, por parte das instâncias europeias, uma enorme benevolência para com estes tipos de casos parecendo que a U.E. foi criada como um mecanismo de submissão de uns Estados para com outros limitando o livre desenvolvimento deles em troca de alguns cargos politicos e de alguns financiamentos em projectos pouco fiscalizados. É assustador verificar que os dois Estados-Membros que vão assumir a presidência da U.E. (Portugal e Eslovénia) não ligam aos valores da própria união, relevando que para além da actual pandemia existe uma outra que afecta as várias democracias e que mancha o projecto europeu quando vemos os nossos líderes mais preocupados com valores monetários do que com valores democráticos.
As eleições costumam ser uma vacina poderosa para a saúde da democracia, porém, e com a actual mutação do virus populista, receio os seus efeitos secundários.
* Natural da Reboleira, tem 28 anos e é licenciado em Planeamento e Gestão do Território pela Universidade de Lisboa. Reside atualmente em Mińsk Mazowiecki, Polónia, onde trabalha em controlo de AML (Anti-Money Laundry)
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