O humor tem um peso enorme na forma como um país olha para si próprio. Faz-nos rir, aproxima-nos e até ajuda a revelar vícios coletivos, mas também pode cristalizar preconceitos e transformar caricaturas em “verdades” aceites sem reflexão. Durante anos, o sketch “Eu é que sou o Presidente da Junta”, do Herman José, entrou na rotina das pessoas com grande eficácia humorística, mas acabou por criar uma imagem distorcida — e duradoura — sobre quem exercia funções nas juntas de freguesia. A brincadeira, que servia para entreter, tornou-se uma espécie de rótulo que recaiu sobre todos os autarcas locais.
Quando fui eleito presidente de junta, em 2009, era um dos mais jovens do país e percebi muito depressa o peso desse estereótipo. Havia sempre a expectativa de que o presidente de junta fosse uma personagem pitoresca, pouco preparada ou limitada, quase como se o humor tivesse definido a realidade. Encontrei, assim, um desafio que não estava nos livros: contrariar a caricatura, mostrando que o cargo podia – e devia – ser desempenhado com seriedade, competência e proximidade.

Foi com esse espírito que tirei a carta de condução para poder levar as crianças da freguesia à escola, que criámos a primeira loja solidária do país e que introduzimos soluções de telemedicina numa altura em que pouco se falava do tema. Não se tratava de grandes revoluções, mas de respostas práticas a necessidades reais. A verdade é que estas iniciativas chamaram a atenção e mostraram que uma junta de freguesia podia inovar e desempenhar um papel social relevante, bem longe da tal caricatura humorística.
Com o tempo, percebi que estas mudanças coincidiam com um movimento mais amplo. Em 2013, com as novas freguesias urbanas, tanto o PS como o PSD apresentaram várias candidaturas protagonizadas por jovens, sinal de que algo já estava a mudar no perfil esperado para o cargo. Figuras como Pedro Delgado Alves, Cegonho, Newton e outros passaram a representar uma nova geração no poder local.
Não reclamo para mim a autoria dessa transformação, mas reconheço que o trabalho desenvolvido – tal como o de muitos outros autarcas jovens – ajudou a desmontar a imagem instalada pelo sketch. O humor teve a sua graça, mas durante demasiado tempo moldou uma perceção injusta. A realidade, feita de trabalho diário, decisões concretas e proximidade às pessoas, acabou por demonstrar que a liderança local é muito mais do que uma caricatura televisiva.
Hoje, ver mais jovens a assumir juntas de freguesia é sinal de que o velho preconceito perdeu força. E, olhando para trás, sinto que valeu a pena cada esforço feito para desmanchar aquela frase tão marcante da televisão: eu não era “o” presidente de junta – estava ao serviço da freguesia, como tantos outros que levaram o cargo a sério e ajudaram a mudar a forma como o país o vê
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