– Corte um bifinho aí desse lombo, por favor.
A senhora nunca mais se despachava com todos os pedidinhos e requisitinhos, enquanto eu, a seguinte na fila do talho, me esforçava por não soprar.
– E pique uma vez, pode ser? Mas tire essa gordurinha toda, que uma vez ele viu um bocadinho de branco e disse que já não comia… e só com os nove anos que tem!
Para meu grande espanto, o seu tom de voz era orgulhoso, triunfante quase, por estar a criar um serzinho tão decidido e exigente.
– Pescada cozida, mãe, a sério?
– Ya…
– E eu, como o quê?
– Comes pescada cozida. – como sempre, eu estava a gozar o pratinho.
– Mas mãe…
– Também podes não jantar, amor! -rematei sem mais conversa.
Comeu tudo e, no fim, enquanto o mais novo ainda se deliciava, pediu para eu não fazer pescada cozida tão cedo. Fá-la-ei de novo assim que me apetecer e ele come-la-á sem prazer, o costume.
Não acredito em dietas especiais só por os meninos “não gostarem”. Não gostam comem menos, ou não comem, temos pena! O que não lhes faz lá muito bem é permitir que se alimentem apenas de bifinhos e batatinhas fritas; que se alienem da variedade; que se fechem numa redoma de pré conceitos gustativos impeditivos tanto de uma dieta salutar como de um potencial festim para os sentidos…
Por pouco não deixei a voz correr livre ali, em pleno supermercado, para dizer àquela senhora que está a armar um lindo serviço e que, quando o menino de nove anos crescer e se tornar num adulto disfuncional que vai torcer o nariz a tudo, ela talvez não esteja por perto para preparar o bifinho sem sombra de gordurinha e o caldo vai-se entornar.
Optei, claro, por calar a opinião. Prefiro tentar criar rapagões que comam o que há e, caso não gostem mesmo ou a mãe não esteja por perto para lhes fazer o jantar, consigam desenrascar-se e activar os mais básicos instintos de sobrevivência.
Porque no fundo é só disso que se trata: quanto mais amplos formos em tudo, melhor saberemos viver e, em casos extremos, sobreviver.