No país que somos, não teremos, apenas, no domínio da Justiça, o problema da sua morosidade, com as suas decisões a não produzirem, muitas vezes, resultados práticos, dado aqueles que poderiam ser beneficiários delas já terem, por exemplo, falecido. Isto, para já se não falar de testemunhas dum dado acontecimento que, quando só passados anos são chamadas a depor sobre eles em tribunal, naturalmente deles já não se recordam no todo ou em parte!
Outros problemas, todavia, ela comportará: há tempos atrás, tivemos oportunidade de assistir a um julgamento em Espanha, a propósito do referendo havido no país vizinho visando a independência da Catalunha e considerado ilegal, em que tendo sido convocadas para um dado momento várias testemunhas para nele deporem, por uma inesperada circunstância elas só puderam, contudo, ser ouvidas algumas horas depois.
Pois bem, a cada uma delas que se apresentava, finalmente, perante o tribunal, o juiz que a ele presidia tinha o cuidado de começar por pedir desculpa pela demora ocorrida na sua audição, justificando-a!
Não se poderia modificar um pouco o ritual, já que se diz que à mulher de César não basta ser honesta (no caso, equidistante das partes), devendo, também, parecê-lo?
Por cá, tendo sido as testemunhas convocadas para uma audiência a realizar a uma dada hora, mas só horas depois ocorrendo o seu início (independentemente das boas razões que possam ter justificado o atraso verificado) ou vendo-se as mesmas a deslocarem-se ao tribunal, com horas de trabalho perdidas, longas distâncias percorridas, etc., para, no último instante, serem desconvocadas, com indicação de que noutro dia terão de voltar (devido a um qualquer incidente processual, entretanto, detetado), quantas vezes se assiste a um pedido de desculpa por tais fatos?
Por outro lado, é-nos apresentada a imagem duma Justiça de olhos vendados, pretendendo, assim, mostrar-se equidistante das partes, pesando, apenas, os argumentos de cada uma delas, conforme balança exibida numa das mãos.
No entanto, quem entre numa sala de audiências, a que assiste? A um Juiz e a um Procurador a entrarem atrás um do outro pela mesma porta, ao lado um do outro se sentando, num plano, não raro, mais elevado do que aquele em que os advogados se vêm colocados e, até, vendo-os, muitas vezes, cochichar entre si (ainda que, certamente, sobre coisas triviais, como o fazer demasiado calor ou frio na sala de audiências), deixando um leigo, contudo, na dúvida sobre quem será quem, qual o papel que cada um deles no tribunal representará.
Não se poderia modificar um pouco o ritual, já que se diz que à mulher de César não basta ser honesta (no caso, equidistante das partes), devendo, também, parecê-lo?
PS – Amiúde, ouve-se os advogados queixarem-se da desigualdade de armas havida entre o Ministério Público e eles, com o primeiro a dispor de todo o tempo para deduzir uma acusação de milhares de páginas, enquanto, por sua vez, eles só disporão de meia dúzia de dias para apresentarem constatação a tal acusação, pedindo uma abertura de instrução.
Ora, mas também não é verdade que o Ministério Público se limitará a assumir o seu papel de acusador no tribunal, enquanto os advogados podem fazer a defesa dos seus clientes não só no tribunal, como, igualmente, à porta dele e em estúdio de televisões?
Ficam, pois, quites!
Uma nota final: quando vimos, através da televisão, um arguido idoso saindo do carro em que fora transportado com os seus advogados, arrastando, depois, penosamente os pés e amparado por eles até ao tribunal, não podemos deixar de nos questionar se não haveria uma simples cadeira de rodas disponível em que, humanamente, pudesse ser levado! Mas, enfim, apenas questionamento nosso, talvez ingénuo.
Leia também: Disfuncionalidades e durezas | Por Luís Ganhão