No dia do apagão que surpreendeu o país, enquanto milhares de portugueses enfrentavam falhas nas comunicações e nos pagamentos, houve quem vivesse esse dia num verdadeiro caos dentro de portas. Leonor, nome fictício dado pela ZAP, é funcionária na área da reposição de um grande supermercado e descreve uma manhã que rapidamente fugiu ao controlo.
A previsão de uma manhã tranquila
Era segunda-feira, início de semana, e tudo indicava que seria um turno mais calmo. Leonor e duas colegas estavam responsáveis pela reposição de produtos e esperavam aproveitar o sossego da manhã para recuperar stock em prateleiras mais vazias.
No entanto, essa tranquilidade durou pouco. Sem qualquer aviso, começaram a chegar clientes em grande número, enchendo rapidamente os corredores. Leonor e as colegas perceberam que algo se passava, mas só mais tarde conseguiram ligar os pontos, refere a mesma fonte.
Um comportamento que fez lembrar a pandemia
À medida que o movimento aumentava, tornava-se claro que não se tratava de um dia normal. Os carrinhos começavam a encher-se de produtos como água, pão de forma, conservas e batatas fritas. Para quem já tinha vivido os primeiros dias da pandemia, o cenário era familiar.
“Pareceu aqueles primeiros dias da COVID: fez-me bastante lembrar isso, fez-me relembrar aqueles dias de medo”, contou Leonor. As pessoas aproximavam-se demasiado, insistiam em pressionar os funcionários e, segundo ela, mostravam uma “falta de civismo incrível”, revelou a funcionária do supermercado à mesma fonte.
A tensão instalou-se nas caixas
Com o aumento da procura, foi necessário reforçar as linhas de caixa. Leonor foi chamada, mas o ambiente nos corredores já era tão caótico que optou por continuar na reposição. No entanto, também aí a pressão era insuportável.
“Tiravam-nos as coisas das mãos”, relatou. A funcionária tentava repor pão de forma, mas os clientes arrancavam-lhe os pacotes. A solução encontrada foi improvisada: colocar as paletes nos corredores e deixar que os próprios clientes retirassem diretamente das caixas.
Quando o feijão virou motivo de confronto
As reclamações subiram de tom. Algumas clientes exigiam que as prateleiras estivessem cheias de atum, feijões e outros bens duradouros. A funcionária do supermercado admite à ZAP que perdeu a paciência em vários momentos e chegou a responder torto.
Numa das situações mais tensas, disse a uma cliente: “Acha que tenho braços mecânicos!?”. O cenário já não era apenas de sobrecarga laboral, mas de um ambiente que se tornava difícil de controlar.
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Pagamentos, filas e desespero
Como se não bastasse o movimento fora do normal, surgiram também falhas no MB Way, o que agravou ainda mais a situação.
As filas tornaram-se longas, o stress aumentava, e muitos funcionários que já não iam para as caixas há anos tiveram de regressar à linha da frente.
A pressão era tal que a equipa teve de começar a limitar a entrada de clientes. A decisão foi tomada por volta das 15h, quando já quase não havia água disponível para venda.
Medo de pilhagens e insegurança
Ao sair do trabalho, Leonor passou por um centro comercial e testemunhou outro reflexo do clima de incerteza vivido nesse dia. Algumas funcionárias de lojas estavam a retirar produtos das entradas dos estabelecimentos, com receio de pilhagens.
O apagão generalizado fez reviver memórias de tempos recentes, em que o medo se sobrepunha à lógica. Apesar de tudo, Leonor encarou o momento com um certo distanciamento irónico: “É mais uma história para um dia contarmos aos nossos netos, quem sabe?”, disse à mesma fonte.
E no dia seguinte… as devoluções
No dia seguinte, terça-feira, o cenário ainda guardava algumas surpresas. Vários clientes regressaram às lojas para devolver produtos adquiridos no dia anterior. Houve quem tivesse comprado 100 latas de atum e quisesse devolvê-las, assim como água e outros enlatados.
A loja aceitou alguns desses produtos, mas recusou a devolução do pão de forma. O episódio ilustra bem como um dia marcado por falhas nos sistemas acabou por desencadear comportamentos inesperados por parte dos consumidores.
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