Democracia europeia e Estado pós-nacional são as duas faces da mesma moeda. O mais difícil será sempre estabelecer um paralelismo adequado entre o construtivismo europeu, na forma de democracia europeia, e a reforma política do Estado-nação, em direção ao Estado pós-nacional. Em 2024 tal como em 2019, depois das eleições para o Parlamento Europeu, este paralelismo político-institucional apresenta-se extraordinariamente complexo, mesmo divergente, após o PPE e o PSE terem perdido o duopólio de longa data no Parlamento Europeu. Estamos, com efeito, no limiar crítico da união política europeia, à procura, justamente, de um trade off equilibrado entre duas proto identidades, a democracia europeia e o Estado pós-nacional, que estão funcionalmente dependentes por via da governação multiníveis. Limiar tanto mais crítico quanto a União importa a desordem internacional para a sua política doméstica. O drama atual da União Europeia reside, justamente, no facto de ela não ser um regulador acreditado da desordem internacional atual e, do mesmo passo, não possuir legitimidade política bastante para ser um regulador doméstico eficaz. Enquanto isso não acontecer, e as circunstâncias podem precipitar a sua eclosão, os Estados-nacionais muito dificilmente aceitarão ser fiéis, a tempo inteiro, ao comando europeu.
A uns dias das eleições europeias de junho de 2024 três notas dignas de registo. A primeira nota, para reportar, na política europeia, um paradoxo muito pertinente e em plena laboração que o recrudescimento da tensão geopolítica veio acelerar. Por um lado, no projeto global e europeu, a clara perda de centralidade do Estado e a sua capacidade de configurar a sociedade. Assistimos a uma espécie de dessacralização da política-estado, à fadiga dos cidadãos por essa política-estado como parte da normalidade democrática. Por outro lado, a radicalização soberanista e populista da política doméstica recupera o Estado central como se estivéssemos órfãos de Estado e de repente, todas as modernidades parecem querer entrar em rota de colisão.
A segunda nota é para reiterar que os impulsos mais fortes para a reforma da União Europeia virão do exterior. Os exemplos e os pretextos já aí estão: a Rússia e a Ucrânia, o Médio Oriente, a China, a Turquia, o Norte de Africa, mas, também, o Brexit e a Trumpolitics, para citar apenas os principais. Este impulso exterior implica que haja um movimento de reforma importante em direção da política externa, segurança e defesa (PESD) em todas as suas dimensões, onde se incluem os refugiados e os imigrantes, mas, também, a política energética e o combate contra as externalidades negativas da extraterritorialidade europeia onde se reportam a criminalidade financeira em matéria de offshores, a evasão e fraude fiscais e, ainda, as relações entre harmonização fiscal e concorrência leal/desleal.
A terceira nota diz respeito ao impacto da PESD sobre a política interna europeia e, em particular, a reconfiguração da união económica e monetária (UEM). A reforma da PESD pode provocar fraturas internas profundas no alinhamento europeu de alguns Estados membros, mas as reformas internas da política podem, igualmente, gerar novas linhas de fratura, em especial no plano orçamental com a eventual criação de um orçamento para a zona euro, o que introduzirá, necessariamente, alterações nas regras orçamentais do semestre europeu (SE), do pacto de estabilidade e crescimento (PEC) e do tratado orçamental (TO). Estas alterações poderão ser, eventualmente, acompanhadas pelo alargamento dos recursos próprios, a mutualização parcial das dívidas soberanas, a criação de um fundo monetário europeu (FME) e uma revisão global dos instrumentos financeiros europeus de apoio ao investimento. A criação de um orçamento específico para a zona euro e o reforço do papel do Euro Grupo e do Ministro das Finanças Europeu, podem ser imediatamente percebidos como a criação de uma Europa de círculos concêntricos e uma discriminação grave contra alguns Estados membros da União Europeia.
No que diz respeito à revisão dos tratados e sem prejuízo de uma negociação ulterior mais extensa (uma convenção europeia), na linha das convenções nacionais propostas pelo presidente francês, poderemos admitir, desta vez, uma revisão simplificada dos tratados, algumas cooperações estruturadas e reforçadas e, eventualmente, um ou outro acordo fora dos tratados. Assim, e mais uma vez, cumpre-se a missão institucional da União Europeia: em momentos graves, o institucionalismo europeu é capaz de converter problemas críticos em problemas crónicos. De resto, as excecionalidades sempre existiram. No final, o projeto europeu irá limitar-se, provavelmente, a fazer navegação à vista nos próximos tempos ou então será duramente atingido por um facto geopolítico mais ou menos inesperado. Até lá o projeto europeu estará claramente na defensiva e adotará a política dos pequenos passos, afinal, o método Monnet de boa memória. Vamos aguardar pelos próximos desenvolvimentos.
Artigo publicado no Público.
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