As obras realizadas em espaços de uso privativo dentro de edifícios em propriedade horizontal continuam a ser uma das principais fontes de conflito entre vizinhos, sobretudo quando levantam dúvidas sobre o impacto nos elementos comuns do prédio. Um recente acórdão em Espanha voltou a clarificar os limites legais destas intervenções.
A Audiencia Provincial de Girona confirmou que uma proprietária terá de retirar um fecho em metacrilato instalado num pátio de luzes de uso privativo, apesar de a intervenção ter sido inicialmente autorizada pela comunidade de vizinhos. A decisão teve como base o incumprimento das condições impostas no momento da autorização, de acordo com o jornal digital espanhol Noticias Trabajo.
Um pedido aceite com condições claras
O caso teve origem numa reunião da comunidade de proprietários, na qual a moradora solicitou autorização para fechar o pátio de luzes a que tinha acesso direto a partir da sua habitação. A assembleia acabou por aceitar a proposta, mas impôs uma condição considerada essencial.
Os condóminos exigiram a apresentação de um projeto técnico que comprovasse a segurança da instalação, a sua legalidade e a inexistência de impactos negativos na estrutura ou nas infraestruturas do edifício.
Projeto nunca foi apresentado
Apesar do aval inicial, a proprietária nunca chegou a entregar o relatório técnico exigido. Perante esse incumprimento, a comunidade decidiu, cerca de um ano depois, revogar formalmente a autorização concedida para a obra. Ainda assim, a condómina avançou com a instalação do fecho em metacrilato no pátio, ignorando a revogação do consentimento comunitário.
Comunidade recorre aos tribunais
Face à realização da obra sem autorização válida, a comunidade de proprietários intentou uma ação judicial, exigindo a remoção do fecho e a reposição do pátio ao seu estado original.
O Juzgado de Primera Instancia nº 6 de Figueres deu razão à comunidade, considerando que a intervenção afetava elementos comuns do prédio e tinha sido realizada sem cumprir os requisitos legalmente exigidos, refere a mesma fonte.
Na sua decisão, o tribunal salientou que o pátio de luzes, embora de uso privativo, integrava instalações comuns do edifício, como canalizações de água e gás. Por esse motivo, qualquer alteração exigia um controlo técnico rigoroso e uma autorização válida da comunidade. A proprietária foi condenada a remover o fecho e a suportar todos os custos associados à reposição da situação anterior.
Tribunal reforça limites às obras em espaços privativos
A Audiencia Provincial de Girona confirmou integralmente a sentença, recordando que, de acordo com o artigo 553-36 do Código Civil da Catalunha, mesmo as obras realizadas em partes privativas estão sujeitas a limites quando alteram a configuração exterior do edifício ou afetam elementos comuns.
O tribunal sublinhou que a autorização concedida pela comunidade estava claramente condicionada à apresentação de um projeto técnico, condição que nunca foi cumprida, legitimando assim a sua revogação. Os juízes salientaram ainda que não existia qualquer prova de que a obra tivesse sido executada antes da revogação da autorização, nem de que as condições inicialmente impostas tivessem sido respeitadas.
Com base nesses factos, todas as alegações apresentadas pela proprietária em sede de recurso foram rejeitadas, mantendo-se a obrigação de remover o fecho e repor o pátio no estado original. A decisão, datada de 24 de setembro deste ano, não era ainda definitiva, podendo ser objeto de recurso de cassação para o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha, de acordo com o Noticias Trabajo.
Enquadramento legal em Portugal
Em Portugal, situações semelhantes são reguladas pelo regime da propriedade horizontal previsto no Código Civil. Nos termos do artigo 1422.º, os condóminos não podem realizar obras que prejudiquem a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício, mesmo que incidam sobre frações ou partes de uso exclusivo.
O artigo 1425.º estabelece ainda que as obras que modifiquem partes comuns do prédio carecem de aprovação da assembleia de condóminos, normalmente por maioria qualificada. A jurisprudência portuguesa tem sido clara ao considerar que pátios, terraços ou varandas de uso privativo continuam a integrar a estrutura comum do edifício quando afetam a fachada, a estética ou as infraestruturas.
Sempre que uma obra seja realizada sem autorização válida ou em desrespeito pelas condições impostas pela assembleia, a comunidade pode exigir judicialmente a reposição da situação anterior, ficando os custos a cargo do condómino infrator, à semelhança do entendimento agora confirmado pelos tribunais espanhóis.
















