Corria o verão de 1554, quando D. Pedro da Cunha partiu de Lisboa ao comando de uma pequena frota de vigilância da costa algarvia, constituída por quatro galés, três patachas e duas caravelas. O destino era Tavira, base operacional da zona sul da marinha de guerra portuguesa.
Em Lisboa circulava a notícia de que havia mouro na costa. Sabia-se que saíra de Argel o famoso corsário turco, Xaramet-Arraes, e que era preciso estar de atalaia. Capitaniava ele uma frota de oito galés bem armadas de artilharia e de soldados, dirigindo-se a Tavira para tomar de assalto a armada portuguesa ali estacionada. Mal supunha o comandante turco que Pedro da Cunha iria interceptá-lo, barrando-lhe o caminho antes de chegar ao seu destino.
Rezam as crónicas da época que as armadas “ajuntaram-se as duas sobre a tarde na enseada da Carvoeira, um pouco a leste do Cabo. (…) As duas capitanias puseram as proas uma na outra, disparando os seus canhões (…), com tamanha fogaça que não se enxergavam umas às outras”.
Adianta o cronista que, por falta de vento, instalou-se uma “calmaria podre” de tal modo que nem os patachos nem as caravelas “puderam chegar-se a distância conveniente e apenas deram alguns tiros de longe”. E era desigual a batalha, dado que os turcos dispunham do dobro das galés em presença.
Por isso, D. Pedro da Cunha, “sofrendo pesadas baixas esteve em perigo iminente”. Porém, numa operação de abordagem inesperada pelo inimigo, assaltou a galé capitaniada por Xaramet que ficou prisioneiro. O combate prosseguiu pela noite dentro com a rendição de quatro galés turcas com imensas perdas, e o resto delas “buscou salvação na fugida”. Uma “estava tão furada de balas que no acto de render-se foi subitamente ao fundo com quantos tinha a bordo”.
As restantes três galés apreendidas foram conduzidas a Tavira e Xaramet levado para Lisboa. Morreram 40 soldados portugueses e ficaram 160 feridos, enquanto a parte inimiga perdeu 150 homens, mais de noventa foram feitos prisioneiros e “libertaram-se 220 cristãos que eles traziam a remo”.
Xaramet-Arraes esteve preso no Limoeiro onde “D. Pedro da Cunha lhe mandava presentes e dinheiro para seu sustento”. Foi libertado mais tarde em troca de um português feito cativo pelos turcos.
Esta batalha constitui apenas um episódio de muitos outros que eram frequentes ao longo de toda a costa, e revela a importância estratégica da região algarvia na defesa avançada do reino. Logo à entrada no estuário do Arade, já existia no século XV, uma torre de vigia onde viria a ser edificado o castelo de S. João de Ferragudo, depois da fortaleza de Santa Catarina de Vila Nova de Portimão, para defesa da entrada da barra. Para aviso de aproximação de corsários e piratas inimigos, havia também a torre de vigia na Ponta da Atalaia, outra na Quinta da Torre, e mais que tantas.
A vila de Ferragudo, que desce em cascata até ao rio, pode agora ser tomada como ponto de partida para percorrer a linha de costa caprichosamente recortada, numa sucessão de falésias coloridas, rochedos, furnas e grutas, de uma beleza única. Um passeio que leva o viajante até aos limites de Armação de Pêra, passando Carvoeiro e Algar Seco. Chegado aqui, à Varanda dos Namorados, abre-se em azul repetido, o cenário de rochas esculpidas pelo vento e pelo mar. Este troço da costa algarvia, de pequenas angras, túneis e um sem número de prainhas, é um cenário de uma beleza quase irreal: Pintadinho, Caneiros, Vale de Centeanes, Benagil, Marinha, Barranquinho, Carvalho, e outras ainda que podem ser atingidas pelo litoral através das rochas e de passagens naturais.
E por entre ervas rasteiras ou de pequeno porte, os trilhos do viajante vão dar ao farol de Alfanzina donde se avistam barcos minúsculos na distância que os afasta. Um pouco mais adiante, antes da Cova Redonda, já quase no limite do concelho, há-de subir por um esporão rochoso, como um navio que avança pelo mar adentro, e onde se ergue a romântica capela de Nª Sra da Rocha. Dizem que tem origem visigótica, com incorporações de pedras de anteriores edificações romano-medievais. A três quilómetros de Ferragudo, existem as ruínas de uma barragem romana que – vá lá saber-se porquê -, lhe chamam Ponte ou Presa dos Mouros.
Em todos os postais ilustrados nos quiosques do mundo, não haverá tanto do Algarve como o que oferece esta pequena faixa de 17 quilómetros de mar. Em beleza, cor e nos caprichos da natureza. Tanto, em tão poucos palmos de terra e mar esculpidos em azul turquesa.
Do pouco se conhece das origens da cidade de Lagoa, diz-se que o seu nome derivará de um espaço lagunar existente, outrora, na sua zona baixa, entretanto, seco e aterrado. Foi uma das cidades mais fustigadas pelos terramotos, e muito do seu património ficou em escombros. Ainda assim, merece relevo a sua igreja matriz do século XVI, de que resta apenas um portal manuelino, e que foi reconstruída no séc. XVIII.
Lagoa que acolheu uma das primeiras misericórdias fundadas em Portugal, ergueu por isso mesmo, uma igreja em seu nome. O Convento de S. José, claustro simples com quatro arcadas e cisterna ao centro, é de visita obrigatória. De paredes forradas a azulejos de padrão do século XVII, na entrada pode ver ainda a roda dos expostos, sinal dos tempos em que era usada para receber as crianças abandonadas ou enjeitadas da sorte.
Sem ignorar o que de muito mais há para ver e admirar, incontornável é um passeio pelo centro histórico onde tudo gira em seu redor. E depois, uma visita à vila de Estômbar, terra natal do poeta árabe Ibnamar e do célebre guerrilheiro Remexido, com o Arade ao lado. Prosseguindo junto ao rio, vai encontrar o sítio das Fontes e a gruta IbnAmar. Depois, subindo até à Ermida de Santo António, perto da Mexilhoeira da Carregação, depara-se com a deslumbrante surpresa de um excelente miradouro sobre o Arade. E se voltar à gruta IbnAmar, também conhecida por Furnas dos Mouros, ficará a saber que é a maior a sul do Tejo, tem dois conjuntos de galerias, a 120 metros de distância um do outro, não sendo conhecida nenhuma passagem de ligação entre elas.
Virada hoje mais para o turismo, Lagoa, pela sua costa de mar está ligada à pesca e teve na indústria de conservas em tempos não muito longínquos, anos de prosperidade e dinamismo. Um pouco por toda a parte surge um artesanato rico e variado de cestos de empreita, xailes e bonecos de trapo, colchas, rendas de bilro e brinquedos em madeira que nos leva à infância perdida. E há ainda a cerâmica vidrada e a olaria. De Porches, para todo o mundo.
Fontes: “Corografia do Reino do Algarve”, J.da Silva Lopes; “Anaes da Marinha Portugueza”, Ignácio da Costa Quintela; Publicações C.M. Lagoa e RTA; outras.