Pedro Cabrita Reis é um dos principais artistas plásticos da sua geração e um dos artistas portugueses com maior reconhecimento internacional. A sua obra engloba uma ampla variedade de meios – pintura, escultura, fotografia e desenho.
Falámos sobre uma grande exposição de arte contemporânea, a ter lugar no Quartel da Atalaia, em Tavira, resultante duma parceria da “Casa das Artes”, a Associação 25 de Abril e o Regimento de Infantaria nº1. Será uma exposição integrante das comemorações do cinquentenário do 25 de Abril.
P – Considera que este evento tem importância para a literacia cultural da cidade de Tavira?
R – Claro que sim. E, numa perspectiva mais vasta, é importante porque se vai juntar a uma quantidade de outros projectos, de natureza idêntica, refiro-me aqui às artes plásticas, que vão aparecer um pouco por todo o país.
Acho muito bem que em Tavira tenha sido criada essa convergência entre a “Casa das Artes”, a Associação 25 de Abril e o Regimento de Infantaria nº1, porque é seguramente mais enriquecedor comemorar uma data como o 25 de Abril, de uma forma ligada à arte e à cultura, em vez dos sempiternos discursos de circunstância desprovidos de qualquer iluminação de espírito ou de alma e que não passam de um proforma entediado, por parte de quem os faz, dessa data histórica, que mudou a vida dos portugueses.
Já fui sondado para, eventualmente, integrar essa exposição e disse, a quem me perguntou que, com todo o gosto e entusiasmo o farei.
P – Decerto já lhe terá chegado ao conhecimento a iniciativa de um grupo de Associações Culturais do Algarve, a “Casa das Artes” de Tavira, a “Sul, Sol e Sal” de Loulé e a “Laboratório Criativo” de Lagos, que se uniram para fazer a apresentação ao Ministro da Cultura da pretensão de ver criado na Região um Museu de Arte Contemporânea.
O que é preconizado é um “desenho” original, em que o Museu se reparta por quatro/cinco polos, sob gestão única, localizados nos principais núcleos histórico/patrimoniais/culturais do Algarve – Tavira, Faro, Loulé, Lagos e, eventualmente, Silves, criando uma “rota de arte” que projecte a região como “destino cultural”.
Apoia este Manifesto para um Museu de Arte Contemporânea para o Algarve que se encontra a circular?
R – Vamos partir do princípio de que quanto mais Museus existirem melhor para a comunidade, sejam de arte contemporânea ou de outras áreas. E sim, subscrevi esse manifesto.
Um Museu é sempre um polo que junta em seu torno a comunidade onde ele está inserido. Seja pelas exposições que faz, seja pelas actividades de carácter didáctico que faz em relação ao seu património específico ou da comunidade onde ele está inserido. O Museu deve ser entendido como um laboratório de pensamento e de práticas que potenciem um melhor conhecimento da história, da cultura e das características específicas das regiões onde se inserem, mas sempre integrados numa visão alargada, globalizada e cosmopolita.
Como princípio, acredito que deverá existir um Museu de Arte Contemporânea no Algarve, mas que não fique refém de quaisquer inconfessadas ambições regionalistas. Um Museu, não é de nenhuma região ou cidade. É de todas as pessoas que a ele forem.
Lugar de acolhimento e de pensamento, para um Museu, a circunstância de estar aqui ou acolá não é relevante. Deverá, contudo, criar condições para que as pessoas da região em que se insere, possam desenvolver projectos, propor ideias, transformar coisas e de preferência fazendo tudo ao contrário do que seria suposto fazer-se, já que, quando isso acontece, há razões para acreditar que qualquer coisa de novo pode nascer. Os Museus são lugares para experimentar, para pôr em causa, para interrogar, para construir dúvidas, mais do que para confirmar certezas ou insistir em trivialidades previsíveis. É bom que haja um Museu de Arte Contemporânea no Algarve.
P – Concorda com o desdobramento do Museu em quatro polos (Lagos, Loulé, Faro e Tavira)?
R – Provavelmente a minha posição será entendida como conservadora, se disser que não me parece muito eficaz a ideia de desdobrar o Museu em quatro territórios diferentes. Vejo aí, com algum receio, o desenho de uma qualquer estratégia tendente para a construção de mini-regionalismos. É a meu ver, uma visão paroquial de entender a relação do Museu com a comunidade e a sociedade. Não vejo porque é que um Museu do Algarve deveria estar sediado em quatro sítios geograficamente distintos a não ser que fosse para satisfazer ambições de protagonismo por parte de quaisquer forças de natureza política dessas mesmas cidades.
O Algarve é pequeníssimo. É um jardim maravilhoso onde é fácil e rápido chegar a qualquer lugar. Por isso não vejo nenhuma motivação fundamentada, sólida e incontornável para fazer quatro filiais de um mesmo Museu de Arte Contemporânea. Sou adepto de uma localização única.
P – Então qual seria a localização preferida?
R – Neste momento não tenho preferência. Desconheço se as cidades mencionadas além de Tavira, têm condições para construir equipamentos museológicos ou até mesmo a necessária vontade política para o fazer.
Reconheço que em Tavira, aliás a cidade que melhor conheço no Algarve, existe já um equipamento onde se poderiam criar as condições para a instalação de um Museu de Arte Contemporânea. Falo do Quartel de Tavira.
Um quartel é um quartel. Um museu é um museu, mas há arquitectos, museólogos e peritos de todas as áreas que seguramente teriam de convergir no desenho de um Museu, que é um lugar precioso, que tem de ser tratado com muito cuidado. Não pode haver nem pressas, nem improvisos de qualquer natureza no seu desenho, seja dos princípios e motivações orientadores, seja mesmo enquanto património edificado.
É certo que Faro é a capital do Algarve, tem aeroporto e o acesso de um público internacional, e apresenta condições extraordinárias, mas na verdade, o Algarve é pequeno, vai-se a quase toda a parte numa hora. Teriam de me explicar muito bem porque é que um Museu repartido em quatro filiais seria melhor do que um Museu num único local.
Maria Luísa Francisco – Obrigada por esta conversa em torno destas iniciativas originadas em associações culturais e que visam o harmonioso e coeso desenvolvimento do Algarve.
A autora não escreve segundo o acordo ortográfico
* Investigadora na área da Sociologia; Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
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