Desde há mais de meio ano que somos confrontados diariamente com imagens e relatos da guerra na Ucrânia. Esta afeta-nos particularmente, pelo envolvimento da Europa neste conflito e pela constante divulgação do que vai acontecendo pelos media.
No entanto, há guerras a acontecer também noutros locais do planeta Terra e a história da humanidade tem sido, infelizmente, caracterizada por muitas situações de conflito entre países. O desejo de poder, a conquista de espaço, o desejo de posse são alguns dos fatores que levam a que isto aconteça . O problema adicional é que os meios usados são cada vez mais mortíferos, atingindo muitos inocentes. Esta é uma questão central quando pensamos o futuro da humanidade. Tal como as questões ambientais, as questões ligadas à paz, em particular, são fundamentais para podermos pensar a vida no nosso planeta a médio/longo prazo.
É nesse pressuposto que o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) tem vindo a realizar diversas iniciativas, nomeadamente em escolas, junto das crianças e dos jovens.
Tendo em conta que a arte pode inserir-se num movimento de “educação para a paz”, ajudando a parar no tempo e a refletir, de forma a que não se repitam no futuro os erros do passado, e contribuindo como instrumento de crítica social e política, procurando influenciar valores sociais e decisões políticas, este Conselho, em colaboração com a “Peace and Art Society”, entre 2018 e 2021, organizou várias exposições no Algarve, intituladas “Artistas pela Paz” e “Pela Paz, contra as armas nucleares”, em que foram apresentadas imagens que procuravam sensibilizar para os perigos das armas nucleares.
E a guerra tem um impacto negativo no ambiente, quer ao nível da natureza, quer no plano do ambiente social, da relação entre as pessoas, da qualidade de vida e do bem-estar.
Este ano, com o título “Por um Ambiente de Paz”, o CPPC organiza mais um ciclo de exposições que se iniciou na Biblioteca da Universidade do Algarve, no passado dia 15 de setembro.
Desta vez, as obras expostas procuram sensibilizar para as questões ambientais e para a importância da preservação da natureza. Isto através de um ambiente de paz consigo próprio, com os outros e com a natureza.
Em particular, nesta exposição procuro contribuir com três obras. A uma delas, “STOP! Este não é o caminho…”, já havia feito referência em 2020, procurando alertar para as consequências ambientais dos incêndios na Amazónia, provocados por interesses economicistas.
Criada especificamente para esta exposição, a obra “Natureza e Paz Interior” retoma a abordagem que havia procurado desenvolver, em 2018, com a obra “PAZ é o caminho (Homenagem a Gandhi)”. Desta vez, apresentamos um desenho que pode ser percebido como uma pomba, símbolo da paz, ou como uma mão, sendo colocados os dois dedos numa expressão de vitória. Desta forma, procura-se salientar a importância da vitória da PAZ para a sobrevivência da espécie humana e da natureza. A pomba está com cor verde, a cor que simboliza a esperança num futuro de Paz, em harmonia com a natureza, que a cor verde também procura simbolizar. Esta paz e harmonia com a natureza é representada com o girassol segurado pela pomba, encontrando-se escrita a frase “O segredo da paz interior é manter a conexão com a natureza”, da autoria de Alexander Supertramp. Este foi um viajante norte-americano que morreu em 1992, com 24 anos, no Alasca, após caminhar durante dois anos sozinho na selva da região com pouca comida e quase nenhum equipamento. Sobre a sua vida foi escrito o livro “Into the Wild”, por Joe Krakauer, em 1996, o qual foi adaptado ao cinema por Sean Penn, em 2007. Logo após acabar o curso na Universidade de Atlanta, em 1990, Christopher McCandless doou os 24 mil dólares que tinha na sua conta bancária a instituições de caridade e desapareceu sem avisar a família, passando a assumir o nome de Alexander Supertramp. Revoltado com a sociedade materialista em que tinha vivido, adotou um novo estilo de vida caracterizado pela paz com a natureza. Durante a sua viagem escreveu um diário, no qual foram encontradas várias frases, entre as quais aquela que selecionámos para esta obra, destacando a importância da conexão com a natureza para o desenvolvimento da paz interior.
Consideramos a paz consigo próprio essencial, pois só em paz consigo mesmo é que o ser humano consegue estar em paz com os outros. A paz está em cada um de nós e é fundamental que cada um a encontre com equilíbrio, serenidade e alegria!
Nesta exposição apresentamos ainda a obra “A paz e o ambiente são da responsabilidade de todos!”. Este trabalho é um ready-made, isto é, procurámos aproveitar um objeto comum que já existe, retirando-o do seu contexto atual e passando a tratá-lo como objeto artístico, pelo significado adquirido. Os ready-made foram introduzidos na história de arte desde o início do século XX, procurando causar surpresa no público e romper com a arte tradicional. O trabalho mais conhecido neste âmbito é a “Fonte” (1917), de Marcel Duchamp, em que foi usado um urinol de porcelana branca. A arte concetual, movimento que se desenvolveu a partir dos anos 60, encontra nos ready-made a sua principal inspiração, ao destacar a importância do conceito, significado ou ideia do artista. Neste caso, aproveitamos um vaso com uma planta aromática (lavanda ou rosmaninho). Simultaneamente, colocamos um borrifador, na forma de granada, com o qual deve ser feita a rega da planta para a manter viva. A granada é um objeto de guerra, mas o borrifador torna-se num objeto de paz, em harmonia com a natureza. Pretende-se que sejam os próprios visitantes da exposição a borrifar a planta, mantendo-a viva e ajudando-a no seu desenvolvimento. Assim, este trabalho também permite uma forma de arte interativa, em que o público é chamado a participar e a ter um papel ativo durante a exposição. E com este ready-made e este procedimento de participação do público pretendemos salientar a ideia de que “a paz e o ambiente são da responsabilidade de todos!”
Muitas vezes as pessoas pensam que as questões ambientais são complexas e que não dependem delas, sendo pouco relevante se separam o lixo ou se tratam bem a natureza. É importante alterar esta ideia, levando a que todos(as) se sintam responsáveis pelo que acontece com a natureza, contribuindo com o seu comportamento para preservar o ambiente, tal como cada um pode também contribuir para promover a paz.
É urgente retomar a paz com a natureza e com o planeta Terra, para a própria sobrevivência da espécie humana. Em particular, é importante a conexão com a natureza para o desenvolvimento da paz interior, bem como é essencial que todos(as) se sintam responsáveis pelo que acontece com o ambiente.
A paz e o ambiente são da responsabilidade de todos e, seguramente, todos seremos mais felizes se procurarmos construir um ambiente de paz e se estivermos em paz com o ambiente!
E a arte pode ajudar a construir a paz consigo mesmo, com os outros e com o ambiente. É nesta perspetiva que sugiro que apreciem as obras apresentadas nesta exposição itinerante. Vale a pena…
* Professor Catedrático da Universidade do Algarve;
Pós-doutorado em Artes Visuais;
http://saul2017.wixsite.com/artes