Ainda a propósito do tema dos incêndios, no último artigo que escrevi terminei da seguinte forma: “Portugal precisa de uma política de ordenamento do território que seja coerente, prática e que esteja interligada com a política económica. Este casamento nunca foi feito, por isso é que talvez andemos tão divorciados do crescimento nas últimas décadas”. Nem mais! Foi suficiente uma semana para colocar a nu, o verdadeiro problema de que estamos a falar.
No quadro da audição parlamentar com o secretário de Estado das Florestas e o presidente do Instituto da conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a propósito das cartas de perigosidade, os deputados confrontaram o membro do Governo quanto ao facto de as cartas de perigosidade, entretanto suspensas pelo governo, não terem envolvido os autarcas na sua elaboração. Quando confrontado com essa circunstância, o presidente do ICNF prontamente referiu que “é verdade que estas cartas não foram concertadas com os autarcas” e que “provavelmente os senhores deputados não quereriam que se concertasse com os autarcas” (!).
“Foi suficiente uma semana para colocar a nu, o verdadeiro problema”
Concertar significa harmonizar, estabelecer entendimentos. Concertar constitui um valor que deve dispor qualquer um que gira uma qualquer entidade, e ainda mais a coisa pública! Um bom gestor estabelece consensos, articula, chega a entendimentos, enfim… O que sei é que naturalmente uma pessoa que não esteja preparada para concertar, não tem conserto para ocupar lugares públicos de relevância, não está preparada para governar de forma inclusiva, aberta e dialogante.Este presidente do ICNF desrespeitou o poder local e, consequentemente, milhares de autarcas que conhecem os seus territórios como ninguém. Estes serviçais da causa pública, e muitos fazem-no a título gratuito, devem necessariamente serem incluídos na definição das políticas públicas, porque têm de representar a identidade dos territórios, os anseios das suas gentes e as suas preocupações. Que é justamente o oposto do entendimento do presidente do ICNF, que concertar significa fazer um frete, martelar critérios, etc. …. É esta a diferença que nos separa! É esta postura na administração pública que tem de ser combatida, pelo que, não obstante as condições conjunturais e estruturais que potenciam a ocorrência de fogos florestais, este posicionamento de alguns dirigentes acelera, ainda mais, a probabilidade de o combate aos incêndios correr mal.
É preciso relembrar que este presidente do ICNF, foi o causador da solução gizada pelo Estado que levou à trapalhada da suspensão das cartas de perigosidade que afinal não serviam, que é o responsável pelos milhares de hectares de áreas pertencentes ao Estado que estão completamente abandonados, sem política florestal, e é o que na audição parlamentar acabou por afirmar que não tinha nada que concertar com os autarcas.
Estas declarações foram proferidas nas “barbas” do secretário de Estado, que só o manterá se não tiver responsabilidade institucional e se, por alguma razão, não tiver a coragem e o sentido de responsabilidade para o fazer. E se tal acontecer também não terá condições para se manter no Governo.