O último “diálogo (in)esperado” deste ano teve como interlocutor o jornalista e escritor Luís Osório. Foi um diálogo através de videochamada pelo telemóvel, em que falámos sobre a sua crónica diária, sobejamente conhecida.
Como não poderia deixar de ser, falámos sobre o seu mais recente livro, Ficheiros Secretos, que deu origem a um espectáculo ao vivo e ainda algumas referências ao Algarve.
Luís Osório dirigiu jornais e uma estação de rádio. Imaginou programas de televisão, encenou uma peça de teatro, participou em comissões governamentais, coordenou a comunicação política de uma campanha presidencial e é consultor empresarial. Comentou política, realizou documentários e foi premiado como jornalista e criativo. Publicou cerca de uma dezena de livros.
P – Como lida com a gestão da escrita de crónicas diárias, com temas tão diversos, e com um tão elevado número de seguidores?
R – As crónicas também me surpreendem todos os dias! Sei que tenho mais impacto do que alguma vez tive. Inicialmente eram só publicadas no Facebook, depois passaram também para a TSF. Creio que o segredo para a popularidade dos “postais do dia” está na imprevisibilidade dos temas. Não tenho dogmas em relação aos temas, interessa-me a diversidade do mundo. Hoje posso escrever sobre a grande política e amanhã sobre a Cristina Ferreira. Talvez seja esse o segredo, esse e a tentativa de escrever sempre para alguém em concreto, tento que cada crónica seja ouvida ou lida por pessoas que acreditem que escrevo para elas, só para elas. Gosto muito dessa ideia de exclusividade, de uma relação quase íntima entre quem escreve e quem lê.
P – O que o levou a escrever estas crónicas diárias?
R – Comecei a publicá-las apenas na minha página de Facebook, só depois na TSF. A ideia surgiu como modo de manter a comunicação com quem me seguia. Interessava-me poder escrever sobre o mundo, sobre a sociedade, sobre o poder e as suas relações, sobre a condição humana. Interessava-me tentar ser cronista do quotidiano, não da actividade política ou da atualidade pura e dura. Estou numa fase da vida em que já não me interessa provar que sou inteligente, culto ou influente. Preferi construir um espaço directo de relação com quem me lê.
P – Sente-se mais jornalista ou escritor?
R – Mesmo quando era jornalista nunca me senti um jornalista puro. Aliás, para te dizer a verdade, nunca me senti coisa nenhuma em exclusivo. Sou um acumulador de experiências, um comunicador. Sempre fiz o que me apeteceu. Sou alguém que tenta comunicar com o mundo e tenta compreender a diversidade criando pontes de entendimento entre as pessoas.
Vivemos um tempo de polarização em que as pessoas só lêem o que vai ao encontro daquilo que já pensam. Aceito bem que pensem diferente de mim, procuro quem pensa diferente de mim.
P – Como começou a ideia de levar o conteúdo do seu mais recente livro para o palco?
R – Rui Couceiro, o meu editor, é o único culpado. Para ele era muito claro que “Ficheiros Secretos” deveria ser um monólogo, as histórias do livro são muito fortes e, na sua opinião, seria um excelente pretexto para acentuar, ou reinventar, a tradição oral. As histórias que conto ajudam a definir o país que somos – um Portugal feito de personagens, desencontros e paradoxos. Um país que tem este Sol e que inventou o fado. Que partiu à conquista do mundo, mas cujos velhos do Restelo ficaram para dizer mal dos que partiram.
Um país sempre no fio da navalha, capaz de ser generoso e invejoso no mesmo dia. Sim, não deixa de ser um risco. Mas vai ao encontro do que eu sou, gosto de mergulhar sem rede, de arriscar.
P – Que percepção tem do Algarve e que ligação tem a esta região?
R – Há vários “algarves”, não apenas um único. Mas os algarvios têm uma identidade muito própria. São únicos no seu pragmatismo, no seu orgulho, na capacidade de desejarem mais para a sua vida sem abdicarem de ter os pés no chão. Até numa certa arrogância. É um lugar muito adaptado à economia turística. Isso afastou-os um pouco de outros caminhos possíveis, especializaram-se na arte de oferecer a quem vem, um bocadinho de paraíso.
Tenho uma ligação com Tavira. Os meus filhos mais velhos têm uma costela algarvia – os seus avós maternos, e todos os seus descendentes, nasceram em Tavira. O seu bisavô era um médico benemérito, tem aliás um largo com o seu nome.
Obrigada Luís por esta partilha para um outro Postal, o Postal do Algarve, que através do seu suplemento Cultura.Sul marca a diferença e leva o Algarve mais longe.
A autora não escreve segundo o acordo ortográfico
* Investigadora na área da Sociologia; Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
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