Escrevemos o último artigo, intitulado “Como são tratadas as obras de arte durante a guerra?”, após o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, procurando dar conta da destruição de museus e de obras de arte de artistas ucranianos, apresentando como exemplos do que tinha acontecido no Museu Ivankiv, em Kiev, no Museu Nacional Andrey Sheptytsky, em Lviv, e no Museu de Arte em Kharkiv.
É claro que isto parece ter pouca importância, comparativamente à devastação total de algumas cidades e à destruição de vidas humanas, sendo enorme o número de mortos e feridos, nomeadamente civis, para além de um número já superior a 10 milhões de deslocados ou refugiados ucranianos. É realmente uma tragédia humanitária, com elevadas perdas e sofrimento.
No entanto, a arte e o património cultural material do mundo é a nossa herança comum, marcando a identidade e constituindo uma inspiração para toda a humanidade, tendo o poder de nos unir e de promover a paz. Nesse sentido, em 1954, estipulou-se o artigo 53º da Convenção de Haia para a Proteção da Propriedade Cultural no Caso de Conflito Armado, sendo explicitado que são proibidos “quaisquer atos de hostilidade dirigidos contra monumentos históricos, obras de arte ou locais de culto que constituam património cultural ou espiritual dos povos”, sob pena de serem considerados crimes de guerra.
Infelizmente, a guerra na Ucrânia continua, sendo imprevisível a sua duração…
Durante as semanas em que tem decorrido esta guerra, têm sido inúmeras as manifestações de apoio ao povo ucraniano, muitas delas feitas por artistas.
Neste âmbito foi já produzido um elevado número de imagens, sobretudo na forma de arte urbana, quer na Ucrânia, quer noutros locais do mundo, por artistas de vários países, expressando o impacto mundial que esta guerra está a ter, num mundo que é cada vez mais global e interconectado.
Aproveitando a força das redes sociais, existem links que integram essas imagens, nomeadamente #artagainstwar# (“arte contra a guerra”), que já tem vários milhares de ilustrações, e #standwithukraine# (“fica com a Ucrânia”), que conta com centenas de milhares de publicações.
De uma forma geral, as imagens pedem paz, manifestam revolta pela morte de crianças e pela separação de famílias, elogiam a resistência ucraniana e responsabilizam Putin pelo conflito. São imagens que falam por si, algumas feitas por artistas já conhecidos, outras por artistas jovens e desconhecidos, procurando expressar, não apenas a sua visão sobre esta guerra, mas também o seu apoio aos ucranianos que estão a viver esta situação dramática e traumática.
Um dos artistas mais conhecidos é Hilack que realizou um mural em Los Angeles intitulado “War Child” (“Criança na guerra”), em que aparece uma criança com um urso num braço a desenhar o símbolo da paz no outro, numa parede cheia de buracos de balas. Também nos EUA, mas em Austin, Texas, Jef realizou o mural “Stop War” (“Parem com a guerra”) em que também aparece uma criança com uma mão aberta fazendo sinal para parar e com essa mensagem escrita. É também uma criança, com uma bandeira da Ucrânia, caminhando por cima de tanques de guerra que Seth Globepainter pintou em Paris. Por seu turno, em Cardiff, no País de Gales, o artista denominado My Dog Sights desenhou um olho com uma lágrima, usando as cores da Ucrânia, azul e amarelo, podendo ver-se na iris o reflexo daquilo que este olho está a ver, um monumento ucraniano a ser bombardeado. Numa entrevista, este último artista referiu “não posso pegar em armas, não tenho influência a não ser usar minha arte para fazer as pessoas pararem e pensarem”.
Em Portugal, destaca-se o mural em Matosinhos, intitulado “Freedom fighter” (“Lutador pela liberdade”), da autoria do artista MrDheo. Este artista, que tinha já criado uma obra de apoio aos enfermeiros pelo trabalho realizado na guerra contra a pandemia da Covid-19, procura agora apelar à paz e homenagear a resistência do povo ucraniano. Tendo contado com o apoio da autarquia e de outras entidades e empresas parceiras, retrata os destroços provocados pela guerra e um homem que leva o símbolo da paz. Segundo as palavras do próprio artista, “esta é a minha homenagem a todos os que perderam a vida, aos que tiveram de fugir do seu país e sobretudo a quem continua no terreno a desafiar o destino. À união de um povo, à defesa da sua honra e à sua resiliência em prol da bandeira. Um apelo para que os valores humanos falem mais alto e para que a paz prevaleça”.
São imagens que expressam como esta guerra está a ser “vista” pelos artistas em todo o mundo e que vão permitir manter viva a memória desta tragédia.
A história é feita de acontecimentos marcantes, uns bons e outros maus, podendo a arte visual ajudar a manter vivas no presente as memórias do passado, ajudando a construir os caminhos do futuro.
Acreditamos que, no âmbito de um movimento de “educação para a paz”, a arte visual pode ajudar a parar no tempo e a refletir, de forma a que não se repitam no futuro os erros do passado e, neste caso, do presente.
Oxalá que quando escrever o próximo artigo para o Cultura.Sul se trate apenas de passado e já não de presente.
Seria sinal de que esta guerra tinha terminado, para bem de todos. Vamos ver…
* Professor Catedrático da Universidade do Algarve;
Pós-doutorado em Artes Visuais;
http://saul2017.wixsite.com/artes