Um vestido comprido muito largo, cobre um jovem corpo, como um bambu ondulando ao ritmo da sua passada indolente. Jovem de olhos cansados, boca bem delineada, onde em tempos habitaram dentes saudáveis e hoje só resta a corrosão das cáries instaladas. Mãos delicadas, dedos longos; entre o indicador e o médio manchas de nicotina denunciam um cigarro permanentemente aceso. Um cabelo acastanhado há muito não lavado, despenteado cobre a sua cabeça. Nos pés sujos umas sandálias de muitas passadas.
Aproxima-se da mesa onde me encontro sentada. «Senhora vai comer todo esse arroz?» Pergunta. Não, também restou esta carne, quer? «Anui-o».
Sente-se aqui comigo e coma descansada. «Declinou». Chamo a atenção do empregado; peço uma dose para levar. O empregado afastou-se, ela esperou de pé junto à mesa, olhar vazio e distante. Retornou com o recipiente, que lhe foi entregue. Agradece e desaparece por entre a multidão.
Aquele incidente perturbou-me. Afastei o prato, perdera o apetite. Vi nela a minha filha. O que lhe teria acontecido para estar a trilhar o lado obscuro da vida?
“Há sempre um vento que nos impele, nunca o vemos, não lhe damos ordens, nem sabemos o que pretende´´.
Para onde a terá levado?
Caçadores de Histórias
Este espaço está aberto à criatividade de todos os leitores que sempre imaginaram, um dia, poder tornar públicos os escritos dos cadernos escondidos nas suas gavetas do tempo.
Hoje, Isabel Varandas, alentejana de berço mas algarvia embalada pela vida, fez-nos chegar esta história a que chamou simplesmente, “O vento”.
Como o vento, há na vida detalhes que sopram e nos empurram por caminhos que não havíamos sequer alguma vez suspeitado. São as pequenas brisas, mais que as grandes tempestades, que determinam, tantas vezes, as nossas escolhas e os atalhos por onde seguimos.
Esta história, que Isabel Varandas nos fez chegar nas asas do vento, é guiada pelo afeto e tem a profundidade das coisas simples. Porque afinal – já dizia o Principezinho – “o essencial é invisível para os olhos. Só se vê bem com o coração”.
Se tiver histórias de vida, do quotidiano, suas ou de pessoas que conheça, atreva-se. Este espaço é seu.
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