No outro dia, estava a ler um artigo no jornal Expresso com o título “Ordem mundial numa era de monstros” e deparei-me, pela primeira vez, com o conceito de “mentalidade de soma zero”. A sua aplicação em diversas áreas, como a economia, a política e as relações internacionais, levou-me a refletir sobre a atualidade e sobre o que temos vindo a assistir nos últimos anos. A perceção de que os recursos são finitos e de que o progresso de uns implica necessariamente a perda de outros parece estar a moldar, cada vez mais, o debate político e social, contribuindo para a ascensão do extremismo e para a fragmentação das sociedades.
Nos últimos anos, assistimos a uma transformação política e social que tem reforçado posturas mais radicais, tanto à direita como à esquerda, sustentadas por uma crescente mentalidade de soma zero. Esta visão do mundo, em que os recursos, oportunidades e direitos são percecionados como limitados e finitos, conduz a uma competição acérrima entre grupos, comprometendo o modelo de sociedade baseado na partilha, na cooperação e no progresso comum.
Se nos encontramos num momento de soma zero, então assumimos que os recursos não chegam, que o acesso à saúde e às prestações sociais já não é suficiente para todos, reforçando sentimentos de insegurança e exclusão. Este cenário alimenta os nacionalismos e o sentimento contra a imigração, mesmo quando esta é necessária. A perceção de que o país não se está a desenvolver, de que não gera riqueza suficiente para garantir qualidade de vida para todos, leva à ideia de que acolher imigrantes implica retirar aos nacionais. Esta perceção agrava tensões sociais e fortalece políticas protecionistas, aprofundando ainda mais a mentalidade de soma zero.
Contudo, a identidade dos povos e dos países não é um monólito. As identidades não são fixas nem imutáveis, mas sim resultado de múltiplos fatores, como a experiência profissional e pessoal, a origem social, o género e outras dimensões que evoluem com o tempo. As sociedades transformam-se e adaptam-se, mas, quando atravessam períodos de crise e incerteza, há uma tendência para o retrocesso e para a busca de soluções simplistas, muitas vezes sustentadas em discursos extremistas e nacionalistas.
A atual instabilidade geoestratégica colocou em causa valores fundamentais como a paz na Europa, particularmente desde a invasão da Rússia à Ucrânia. Até há pouco tempo, acreditava-se que a NATO garantiria indefinidamente a segurança dos países aliados. No entanto, o novo posicionamento da administração americana ameaça a continuidade da aliança, o que, no limite, poderá levar ao seu enfraquecimento ou mesmo ao fim. Este cenário coloca a União Europeia numa posição de grande fragilidade, obrigando-a a repensar o seu modelo de desenvolvimento e a considerar seriamente a possibilidade de guerra na Europa.
Esta nova realidade exige um redirecionamento estratégico da União Europeia, que deve reforçar a sua unidade, investir no seu rearmamento e alcançar maior independência energética. Se não o fizer, o risco de fragmentação será real, e os discursos nacionalistas ganharão ainda mais força, com cada país a adotar uma postura isolacionista em detrimento da cooperação europeia. A longo prazo, apenas um bloco europeu militarmente e economicamente fortalecido poderá garantir a recuperação da confiança no progresso económico e social, invertendo a mentalidade de soma zero que tem dominado o debate político.
A Europa deve reencontrar o equilíbrio entre segurança e inclusão, promovendo um desenvolvimento sustentável que reforce os seus valores fundadores: paz, prosperidade e coesão social. Controlar a imigração de forma eficaz, sem cair em discursos xenófobos, garantir o crescimento económico sem comprometer a justiça social e assegurar a defesa europeia sem perder a identidade pacifista são desafios essenciais para preservar o modelo europeu de sociedade. Se conseguirmos superar estas dificuldades, poderemos recuperar o sentimento de esperança e de partilha que tem sido a base do projeto europeu. Caso contrário, o risco de retrocesso será inevitável, e a Europa poderá ver-se condenada a um novo ciclo de desconfiança, divisão e conflito.
Referências:
• Artigo “Ordem mundial numa era de monstros”, Expresso – Ideias Liberdade para pensar – 7/3/2025
• John von Neumann e Oskar Morgenstern (1944). Theory of Games and Economic Behavior. Princeton University Press. Esta obra introduziu o conceito de jogos de soma zero, explicando como, em determinados contextos, o ganho de um jogador implica necessariamente a perda de outro.
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