A crise habitacional em Loulé tem vindo a agravar-se, apesar da existência de programas de apoio à habitação, como o 1.º Direito, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e a Estratégia Local de Habitação (ELHCL) 2017-2032. No entanto, estas iniciativas têm-se revelado insuficientes para responder à crescente procura de habitação acessível. Se nada for feito para inverter esta tendência, arriscamo-nos a que, até ao final deste plano, existam mais casas pré-fabricadas ilegais no concelho do que habitações promovidas pela Câmara Municipal a custos controlados ou com rendas acessíveis.
Perante a falta de alternativas habitacionais eficazes, muitas famílias veem-se obrigadas a recorrer à construção ilegal como única solução. No Barrocal e na Serra de Loulé, assiste-se a uma proliferação descontrolada de casas pré-fabricadas e outras construções irregulares, muitas delas implantadas em terrenos classificados como Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou Reserva Ecológica Nacional (REN). Estas construções surgem sem respeito pelas normas urbanísticas e ambientais, comprometendo o ordenamento do território e colocando em risco a sustentabilidade do concelho. O mais preocupante é que este fenómeno se expandiu perante a passividade do executivo municipal, que, durante anos, falhou em implementar uma fiscalização eficaz e em criar alternativas habitacionais rápidas e acessíveis. A ausência de uma estratégia clara agravou ainda mais a situação, permitindo que a construção ilegal se tornasse uma prática generalizada, sem qualquer travão.
Durante muito tempo, alertámos para este problema e para as suas consequências, mas apenas agora a Câmara Municipal de Loulé parece ter despertado para a sua gravidade. Foi recentemente anunciada a demolição de 140 casas de madeira ilegais, num total de quase 700 identificadas no concelho. Segundo a mesma notícia, a autarquia já iniciou os procedimentos para demolir 25 casas, estando mais 116 em fase de processo. Parece que, finalmente, o executivo da Câmara interiorizou a gravidade do problema e tomou a iniciativa de corrigir uma situação que se arrasta há anos e que tem vindo a agravar-se exponencialmente. É positivo que esta ação tenha sido anunciada, mas esperamos que não se trate apenas de uma decisão política para aplacar as críticas, sem consequências reais.
Não podemos continuar a assistir à degradação do território sem exigir uma resposta eficaz e coordenada. A Câmara Municipal deve atuar em articulação com entidades como a CCDR-Algarve, a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) e a AMAL (Comunidade Intermunicipal do Algarve) para garantir que a gestão territorial seja feita em conformidade com a lei e com um planeamento sustentável. O combate à crise habitacional e à construção ilegal exige medidas urgentes, que passam pelo reforço da fiscalização, pela sensibilização da população e, acima de tudo, pelo aumento da oferta de habitação acessível. É fundamental acelerar a construção de 1.000 a 2.000 fogos num curto espaço de tempo, apostando em modelos inovadores, como habitações modulares e pré-fabricadas, que são mais rápidas, sustentáveis e económicas. Se forem devidamente regulamentadas, estas soluções podem ser integradas no mercado formal, evitando a necessidade de recorrer à ilegalidade.
Além disso, é essencial que o Governo atualize a lei do arrendamento, garantindo maior segurança para os proprietários e incentivando a colocação de milhares de casas vazias no mercado de arrendamento. Se não forem criados incentivos reais para trazer estas habitações para o mercado, continuará a assistir-se à proliferação da construção ilegal, que apenas agrava o problema da habitação no concelho.
Loulé, sendo o concelho com o maior orçamento municipal do Algarve e o sétimo maior do país, não pode continuar a ignorar este problema. O turismo, um dos principais motores da economia local, exige uma gestão territorial responsável e sustentável. Se permitirmos que a construção ilegal continue a alastrar, comprometemos a reputação da região, o seu equilíbrio ambiental e a qualidade de vida da população. O momento de agir é agora. Não podemos permitir que a impunidade e o desrespeito pela lei se tornem norma. A Câmara Municipal tem a obrigação de reforçar a fiscalização, promover alternativas habitacionais dignas e garantir um ordenamento territorial equilibrado e sustentável. Se continuarmos neste caminho de inação e descontrolo, arriscamo-nos a comprometer não só o presente, mas também o futuro do concelho, hipotecando a qualidade de vida das próximas gerações.
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