A história de uma idosa espanhola veio expor uma realidade que, durante décadas, foi comum entre muitas mulheres: a dependência económica das pensões dos maridos. Em Portugal, tal como em Espanha, milhares de mulheres que trabalharam toda a vida em casa ou em negócios familiares chegaram à velhice sem direito a uma pensão de reforma própria.
Em Espanha, o caso de Ana, de 87 anos, tornou-se um retrato fiel dessa geração. Trabalhou durante anos ao lado do marido num escritório de advocacia, primeiro em Barcelona e depois em Almería. No entanto, nunca chegou a regularizar a sua situação profissional nem a requerer qualquer pensão quando atingiu a idade da reforma. “Nunca fui pedir que ma dessem”, confessou ao jornal digital espanhol Noticias Trabajo.
Hoje, Ana vive do rendimento do marido, antigo advogado e titular de uma pensão de advocacia. “Por as pensões… eu não, nem um cêntimo”, admitiu, explicando que o companheiro sempre tratou das finanças da casa e garantiu que nada faltasse.
Uma vida inteira de trabalho sem direitos reconhecidos
Durante grande parte da sua vida, Ana colaborou no negócio do casal sem qualquer tipo de contrato. Apesar de reconhecer que vive com tranquilidade, admite que o bem-estar depende totalmente da reforma do marido. “Eu tenho a minha conta, se quiser posso levantar dinheiro, mas não gosto. Gosto é de meter”, contou, revelando uma relação de total confiança, mas também de dependência financeira.
O caso de Ana é semelhante ao de milhares de mulheres que, por desconhecimento ou por tradição, nunca contribuíram individualmente para a Segurança Social. O resultado é uma velhice sem pensão de reforma própria e uma dependência total do rendimento do cônjuge, de acordo com a mesma fonte.
Retrato de uma geração que não reclamou direitos
Ana reconhece que, na sua época, essa situação era vista como natural. A mulher ocupava-se do lar e dos filhos, enquanto o homem tratava dos rendimentos e das decisões financeiras. “A vida está cara para quem tem de se desenrascar sozinho, sem ninguém que lhe ajude”, lamenta.
Com lucidez, deixa ainda um conselho às gerações mais novas, citado pelo Noticias Trabajo: “Que estudem muito, que com uma boa carreira olharão por eles e talvez até pelos pais e pelos avós.”
E se acontecesse em Portugal?
Em Portugal, a história de Ana poderia facilmente repetir-se e, na verdade, repetiu-se durante décadas em muitas famílias. As mulheres que se dedicaram exclusivamente à casa ou que ajudaram em pequenos negócios sem contrato de trabalho enfrentam hoje dificuldades semelhantes.
Para ter direito a uma pensão contributiva, a lei portuguesa (Decreto-Lei n.º 187/2007) exige pelo menos 15 anos de descontos para a Segurança Social. Quem não atingiu esse limite pode, em certas condições, recorrer à pensão social, prevista no Decreto-Lei n.º 464/80, atribuída a pessoas com baixos rendimentos que não cumpriram os períodos mínimos de contribuições.
No entanto, muitas mulheres de gerações mais antigas nunca chegaram a inscrever-se na Segurança Social, o que as deixou sem qualquer tipo de proteção contributiva. Tal como em Espanha, o resultado foi a dependência económica em relação ao marido, situação que se agravou em casos de viuvez.
Papel das pensões de sobrevivência
A legislação portuguesa prevê uma pensão de sobrevivência para o cônjuge ou unido de facto que fique viúvo, nos termos do Decreto-Lei 322/90 e a Lei 7/2001, respetivamente.
Este apoio é fundamental para garantir o sustento das viúvas que nunca tiveram rendimentos próprios, mas o valor depende da carreira contributiva do falecido.
Ainda assim, existem mulheres que, mesmo beneficiando dessa pensão, vivem com valores muito baixos. De acordo com dados recentes da Segurança Social, as pensões médias de sobrevivência situam-se frequentemente abaixo dos 400 euros mensais (344,03 euros em média), um valor insuficiente para cobrir as despesas básicas.
Uma desigualdade que vem de trás
A geração de mulheres que hoje tem mais de 75 anos foi a mais afetada por estas disparidades. Muitas trabalharam em agricultura, comércio local ou como auxiliares em empresas familiares, sem qualquer registo formal. O trabalho doméstico, apesar de essencial, nunca contou para efeitos de reforma.
Atualmente, programas de regularização e de incentivo ao registo de atividade tentam evitar que estas situações se repitam. A inscrição automática na Segurança Social para trabalhadores independentes e o aumento da literacia financeira têm contribuído para uma mudança de mentalidade.
Futuro das novas gerações
A história de Ana serve de alerta. O seu testemunho mostra o peso das desigualdades de género no acesso às pensões e reforça a importância da informação e da autonomia. Em Portugal, o caminho tem sido no sentido de corrigir essas falhas, mas o passado ainda se faz sentir em muitas casas.
Esta geração que viveu sem descontos e sem proteção social ensina uma lição às mais novas: o trabalho invisível, por mais importante que seja, precisa de ser reconhecido e valorizado também na lei.
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