Num ano que se esperava o melhor de sempre para o setor do turismo, a história de há muito repetiu-se e o mundo ficou doente. A Covid-19 veio desafiar toda a humanidade e deu lugar a uma nova realidade distante da que conhecíamos. Uma crise sanitária que, atualmente com significantes progressos da ciência e tecnologia, se acreditava ser dominada no mesmo ano do seu aparecimento. Passado um ano, a situação continua frágil e os dados oficiais apontam que desde 1950 nunca houve um ano tão mau para o turismo como 2020.
O EVA SENSES HOTEL, em Faro, recebeu, no passado fim de semana, um seminário internacional com o tema “Impacto da pandemia de coronavírus no emprego e nos assuntos sociais – Setor do turismo: o rosto da precariedade laboral” que contou com a participação de entidades reconhecidas a nível nacional e internacional ligadas ao setor. A problemática do desemprego e a falta de soluções foram pontos de destaque.
O Algarve é conhecido como um destino de excelência dentro e fora do país e 60% da sua riqueza está no setor do turismo e associados. Atualmente é a região de Portugal que enfrenta uma taxa drástica de desemprego e consequentemente situações de pobreza.
Empresários algarvios do setor fizeram parte do painel do seminário e representaram todos aqueles que encaram tempos difíceis com muitos obstáculos, denunciando a falta de apoios.
João Soares, representante do Algarve na Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), afirmou que as empresas têm duas funções: tentar sobreviver e serem solidárias com aqueles que sempre acompanharam o seu desenvolvimento e progressos. Ao longo dos anos, os empresários estabelecem ligações familiares com os colaboradores e sentem na pele as ações que os prejudicam.
Apesar do Turismo de Portugal ter criado o selo “Clean and safe” em coordenação com a Direção Geral de Saúde e outras entidades competentes e a ideia ter gerado um pilar de confiança para os visitantes, todo o investimento a nível de autocolantes, desinfetantes, detergentes e adaptações ao digital foi realizado somente pelos empreendedores, um problema apontado por todos.
Várias medidas tomadas pelo Governo foram também contestadas. O facto dos hotéis poderem estar abertos, mas as pessoas não estarem autorizadas a circular ao fim de semana, foi uma das grandes críticas dos empresários presentes. A consequência foi levar os clientes a desistirem e a ocupação encontrar-se a zeros aos fins de semana.
A tomada de decisões tardias e incertas pelo Governo é um outro motivo que desagrada aos empresários. Muitas das medidas foram seguidas e constantemente alteradas conforme a restante Europa, o que prejudicou as empresas. Exemplo disso foram as fiscalizações da ASAE na noite de passagem de ano em hotéis de Vilamoura.
Os cinco empresários em painel, ligados ao turismo do Algarve, foram da opinião que a realização de testes de despistagem à Covid-19 deveria ter sido feita muito mais cedo e, sabendo-se que o acesso ao Algarve é feito através de três grandes portas de entrada, deveria ter sido criada uma área isolada e mais segura.
Um gabinete de crise geral no Algarve para atender todos os pedidos de determinados setores foi outra ideia colocada em debate. “Várias empresas necessitam de apoios e a economia algarvia é prejudicada diariamente”, referiram.
A falta de divulgação do destino e de campanhas de promoção para este verão é outro aspeto que preocupa e indigna quem necessita do turismo para sobreviver.
Os participantes no debate levantaram ainda a questão do porquê de Portugal não apostar no turismo de caça, fazendo referência às serras algarvias, respeitando devidamente as espécies. A perda das corridas de touros no Algarve para os espanhóis foi outro fator que, na visão dos participantes, arruinou oportunidades.
Com o plano de vacinação a decorrer, estes empresários esperam agora poder vir a aproveitar o desconfinamento dos ingleses. A abertura das fronteiras de Espanha é também uma visão que alimenta as esperanças dos profissionais ligados ao setor turístico.
Sobreviver ou não até ao ano 2025
O ex-secretário de Estado do turismo, Adolfo Mesquita Nunes, foi também uma das vozes deste seminário e fez referência a estratégias de recuperação
Para Adolfo Mesquita Nunes, um dos primeiros desafios e preocupações, que tanto o destino como os empresários devem ter, passa por perceber se conseguem sobreviver ou não até 2025, ano em que se estipula que as receitas voltem a números iguais aos de anos passados.
Para tal, segundo o ex-governante, é necessário estar em constante contacto com o cliente, reforçar a digitalização e formular melhores preços.
Atualmente os turistas procuram segurança e sustentabilidade e é nesses aspetos que deve haver maior investimento.
Estando constantemente em rede, o destino tem de se conseguir adaptar e competir constantemente pela diferenciação.
A capacidade de pensar em novas estratégias e o despertar de novos modelos de negócios são essenciais para progressos. A formação e requalificação dos trabalhadores e um destino personalizado e feito à medida são também pontos fulcrais para corresponder à procura de quem escolhe o Algarve.
OS INTERVENIENTES
O problema não é propriamente a Covid-19. É a forma como se lidou com o vírus
Eliseu Correia, da EC Travel, tem escritórios em diferentes zonas do país e apesar do fecho de corredores aéreos, conseguiu honrar os seus compromissos e ultrapassar dificuldades graças à solidez financeira que mantinha, resultado de anos anteriores recheados de boas receitas.
O ano de 2020 foi o colapso. A derrocada total que todos nós conhecemos. Gritos de aflição
Alberto Almeida, proprietário do OceanOasis Hostel, lamenta os apoios ridículos do ano de 2020 e referiu que apenas em fevereiro deste ano foi concedido o lay-off a 100% aos seus colaboradores. Acrescentou que se é verdade que o Algarve tem sido uma verdadeira galinha de ovos de ouro para os governantes de Lisboa, também é verdade que hoje é um dos maiores pesadelos em termos de desemprego.
O ano de 2020 foi o colapso. A derrocada total que todos nós conhecemos. Gritos de aflição
Alberto Almeida, proprietário do OceanOasis Hostel, lamenta os apoios ridículos do ano de 2020 e referiu que apenas em fevereiro deste ano foi concedido o lay-off a 100% aos seus colaboradores. Acrescentou que se é verdade que o Algarve tem sido uma verdadeira galinha de ovos de ouro para os governantes de Lisboa, também é verdade que hoje é um dos maiores pesadelos em termos de desemprego.
Setor humilhado pelo Governo
Carlos Simões, da Táxis Simões, em Armação de Pera afirmou que com a pandemia os rendimentos baixaram para 20 a 10% e que as receitas jamais alcançarão as de anos anteriores. Todos os dias, tanto ele como os seus colegas passam horas a fio na praça sem serviço. Deixa claro que para Silves não foram destinados apoios e relembra que o transporte de doentes e de vacinação era uma alternativa positiva, mas que não lhes foi dada.
Passámos de um mercado de porta aberta para um mercado digital
Vítor Lopes representou o Páteo das Pizzas de Armação de Pêra e reinventou a sua empresa durante a pandemia. Criou um novo produto e encontrou um target em específico. As redes sociais começaram a ter mais força e todos os dias os colaboradores começaram a lançar campanhas de publicidade e a comunicar com o público através do mundo digital, o que levou à criação de uma loja online.
Fomos abandonados. Há um ano que nos lamentamos
João Soares gere o Hotel Dom José em Quarteira e é representante do Algarve na AHP. Lembra que o hotel estava com 280 clientes em março, no dia em que os fechos foram anunciados e que as quebras apontam agora para os 70% com apoios míseros.