A Glassdrive-Q8-Anicolor ‘sufocou’ hoje os adversários, ao colocar António Carvalho, Frederico Figueiredo e Mauricio Moreira no ‘top 3’ da Senhora da Graça, para quase garantir que os três ciclistas vão estar no pódio final da Volta a Portugal.
Há muito que não se via nada assim no ciclismo português: os três líderes da Glassdrive-Q8-Anicolor deixaram todos para trás a sete quilómetros do alto, permaneceram inalcançáveis e coroaram a Senhora da Graça, no final da nona etapa, lado a lado, quase ‘copiando’ a celebração da Jumbo-Visma na primeira etapa do Paris-Nice – só não cruzaram a meta os três abraçados porque Moreira, em evidentes dificuldades, nem se conseguia erguer na bicicleta.
A equipa até teve tempo para repartir entre si os prémios, com Carvalho a ‘bisar’ na Senhora da Graça, onde já tinha vencido em 2019, ‘Fred’ a ser segundo para juntar a amarela à camisola da montanha, que será o seu prémio de consolação quando expectavelmente for ultrapassado pelo vice-campeão da passada edição no contrarrelógio de 18,6 quilómetros entre o Porto e Gaia que, na segunda-feira, decidirá o vencedor final da Volta a Portugal.
O silêncio ‘escutado’ no ponto mais alto do Monte Farinha quando os três cortaram a meta, com o tempo de 04:42.14 horas, espelha bem aquilo que os outros, os rivais, sentiram perante tamanho ‘canibalismo’ da formação fluorescente, que poderá muito bem ocupar na segunda-feira todos os lugares do pódio da 83.ª edição: Figueiredo manteve os sete segundos de vantagem sobre Moreira, mas António Carvalho, quarto a 02.21, reduziu para 29 segundos a diferença para Luís Fernandes (Rádio Popular-Paredes-Boavista), o ainda terceiro classificado.
A derradeira etapa em linha era a última oportunidade para aqueles que sonhavam com um triunfo nesta edição – e não se dão bem na luta contra o cronómetro – tentarem a sua sorte e, ao quilómetro quatro dos 174,5 entre Paredes e o alto da Senhora da Graça, 13 ciclistas saltaram do pelotão.
Entre os fugitivos estavam muitos dos mais inconformados desta edição, como Robin Carpenter (Human Powered Health), acompanhado do companheiro Kyle Murphy, Óscar Pelegrí (Burgos-BH), que levou consigo o vencedor da oitava etapa Victor Langellotti, Joaquim Silva (Efapel) e o seu colega Gaspar Gonçalves, Luís Gomes (Kelly-Simoldes-UDO), ou Álvaro Trueba (Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel).
A fuga, que incluía ainda Unai Iribar (Euskaltel-Euskadi), Fábio Costa (Glassdrive-Q8-Anicolor), Bruno Silva (Tavfer-Mortágua-Ovos Matinados), César Martingil (Rádio Popular-Paredes-Boavista) e Venceslau Fernandes (ABTF-Feirense), começou os mais de 20 quilómetros de escalada à Serra do Marão, a primeira de três contagens de primeira categoria da jornada, com dois minutos de vantagem sobre o pelotão comandado pela Glassdrive-Q8-Anicolor e pela Rádio Popular-Paredes-Boavista.
Depois de ter passado um mau dia na Torre e de ter hipotecado a sua candidatura à geral, Joaquim Silva soube reinventar-se e hoje demonstrou querer a camisola da montanha: foi o primeiro no Marão, assim como nas duas contagens de quarta categoria, mas falhou o objetivo porque Figueiredo pontuou nas outras duas primeiras categorias da etapa.
Quando a subida do Barreiro começou, já Fábio Costa seguia isolado na frente, com a sua equipa a persegui-lo lá atrás. Então, a Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel assomou à frente de um já diminuto pelotão para impor um ritmo forte, na tentativa de debilitar os adversários e levar Alejandro Marque ao pódio, com o galego a atacar a mais de 40 quilómetros da meta, para pronta resposta do seu grande amigo ‘Fred’.
Foi o que bastou para a seleção final ser feita: só ‘Fred’, Moreira, Carvalho e Costa, e Fernandes acompanharam o campeão de 2013, que voltou a ser o azarado do dia – depois de perder as opções de vitória final devido a um furo na ascensão ao Observatório de Vila Nova, hoje avariou, esbracejando na bicicleta num gesto de total impotência perante tamanho infortúnio na sua última Volta.
‘Alex’ usou a sua exímia técnica de contrarrelogista para descer o Barreiro e recolar no grupo de candidatos, a 30 quilómetros da meta, para depois voltar a atacar. Mas Marque não iria longe, porque a omnipresente e ‘egoísta’ Glassdrive-Q8-Anicolor não deixou – a 19 quilómetros do alto, já tinha sido alcançado.
No início da subida, o ‘show’ da formação de Águeda começou: António Carvalho atacou e, pouco depois, foi ‘Fred’ a dar a estocada final, com Marque a ser o primeiro a ficar, Fernandes a seguir-se-lhe. E, numa subida (quase) despida de público, a Glassdrive-Q8-Anicolor ‘matou’ a Volta.
A classe do líder da Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel, impar no pelotão, voltou hoje a sobressair: o galego encontrou a pedalada certa, passou Fernandes, que foi apenas oitavo a 01.14, e partiu em busca dos homens de fluorescente, coroando o alto em quarto, a 46 segundos, ao mesmo tempo que acenava, em jeito de despedida, para um público que retribuiu com aplausos.
Marque é quinto da geral, a 04.19 minutos de Figueiredo, mas a diferença que tem para Carvalho torna impossível o sonho do pódio. Na despedida, terá a consolação de ter sido o herói da Senhora da Graça, o único que tentou contrariar a supremacia da Glassdrive-Q8-Anicolor.
Declarações
Declarações no final da nona etapa da 83.ª Volta a Portugal em bicicleta, disputada hoje entre Paredes e o alto da Senhora da Graça, no total de 174,5 quilómetros:
António Carvalho (vencedor da etapa e quarto classificado da geral individual): “Nós saímos com uma estratégia bem delineada do autocarro. Passava, acima de tudo, por tentar defender o nosso primeiro e segundo lugar da geral. Se houvesse possibilidade ou se sentíssemos fraqueza dos adversários, principalmente do Luís Fernandes, para eu tentar chegar ao pódio, iríamos tentar.
Se vocês analisarem a etapa, nós acabámos por colocar um homem na fuga [Fábio Costa], que era um dos nossos objetivos. Queríamos trazer a etapa controlada entre o Barreiro e a Senhora da Graça. Não pretendíamos acelerar a corrida no Barreiro. Felizmente, o Tavira acelerou por nós. Acabaram por endurecer muito a corrida e muitos adversários acabaram por ficar para trás.
Houve um momento, a faltar dois quilómetros [para o alto do Barreiro], corto os meus colegas acima de tudo para analisar os adversários e vi que estavam a passar mal. Vi que o Luís Fernandes ia a passar mal e tentei endurecer mais um pouco. Mal passámos a montanha, ele disse-me que hoje não estava bem. […] Foi entrar cá em baixo na Senhora da Graça para ver como ia ser a resposta do Luís Fernandes, ele não se mexeu, era sinal que estava mal.
Só tive de esperar e trazer o Frederico e o Maurício até ao alto, num ritmo confortável para todos. Claro que sofrendo, porque não há vitórias fáceis, e tentar assaltar o pódio, não consegui ainda. Mas veremos amanhã [segunda-feira].
Estivemos a analisar o contrarrelógio de Gaia-Porto, quando faço segundo, e ganhei quatro minutos ao Luís Fernandes. Mas não há provas iguais. Amanhã vou tentar o meu melhor para acabar no pódio final”.
Frederico Figueiredo (segundo classificado na etapa e líder da geral individual): “[Subir a Senhora da Graça de amarelo] é de arrepiar sempre. Pessoas a chamar o nosso nome, penso que também um bocadinho por ser português e as pessoas ligam muito a ser um português a liderar a Volta. É gratificante.
Costumam dizer que a camisola amarela dá asas, vamos ver amanhã [segunda-feira] se dá ou não.
[A montanha] sempre foi o meu terreno predileto. Acabo por ganhar na chegada a Miranda do Corvo, na Serra da Estrela penso que estive muito bem e mesmo aqui na Senhora da Graça também, mas sou um trepador. Sete segundos se calhar não vai ser o suficiente para vencer a Volta a Portugal, mas não estou preocupado com isso. O que interessa é a equipa vencer, isso é o mais importante.
(Não atacou por respeito a Mauricio Moreira?) sim. É nestes momentos que vemos os grandes ciclistas e o Mauricio passou uma fase complicada, mas tentámos que ele chegasse aqui connosco para também não perder tempo para mim. Ele é o mais forte candidato a vencer a Volta”.
Mauricio Moreira (terceiro classificado na etapa e segundo da geral individual): “Estou numa boa posição, mas não quero pensar nisso até amanhã [segunda-feira]. Hoje, passei um dia a sofrer, bastante difícil, e amanhã a estrada vai colocar cada um no seu sítio.
(Sentiu dificuldades na subida?) Não foi uma impressão, é verdade. Estava a sofrer bastante, foi uma subida bastante difícil para mim. Estou outra vez com dores no joelho, e estou a sofrer bastante, mas amanhã, graças a Deus, é o ultimo dia. Ainda estamos na frente e, se Deus quiser, vai correr tudo bem para a equipa, e isso deixa-me muito contente.
(reconhecimento do crono?) sim, já fiz há algum tempo, mas com o trânsito aberto era um bocadinho difícil. Amanhã, também vamos [reconhecer], para ter a certeza que não acontece o mesmo que o ano passado”.
Luís Fernandes (terceiro da geral individual): “Tenho esperança de ficar no pódio desta Volta a Portugal depois do esforço que fiz, que a minha equipa fez, do trabalho que tive em casa, dos dias que passei sem estar com a minha família. Espero manter-me no pódio, sei que vai ser uma tarefa muito, muito difícil visto que os adversários que estão atras de mim são quem são, mas espero estar no pódio amanhã [segunda-feira]. Vou dar tudo na estrada.
São etapas distintas. A Torre só tinha uma dificuldade mais acentuada, que era a subida à Torre, que foi atacada desde cá de baixo. Encontrava-me num dia bom. Todos podemos ter um dia mau, e eu acho que hoje tive o meu dia mau. Tive de responder a alguns ataques e isso paga-se caro. Depois, foi optar por manter o meu ritmo, e não perder muito tempo, porque eles iam tentar atacar-me para me ganhar tempo. Tanto o António Carvalho como o próprio Mauricio e o Frederico. Eu sabia que tinha de pôr o meu ritmo para minimizar perdas e foi o que fiz”.
9.ª etapa – Classificações
Classificações da 83.ª Volta a Portugal de bicicleta, que se disputa entre 04 e 15 de agosto, após a nona etapa, disputada hoje entre Paredes e o alto da Senhora da Graça, no total de 174,5 quilómetros:
– Classificação da nona etapa:
1. António Carvalho, Por (Glassdrive-Q8-Anicolor), 04:42.14 horas.
(média: 37,097 km/h).
2. Frederico Figueiredo, Por (Glassdrive-Q8-Anicolor), m.t.
3. Mauricio Moreira, Uru (Glassdrive-Q8-Anicolor), m.t.
4. Alejandro Marque, Esp (Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel), a 46 segundos.
5. Jesus del Pino, Esp (Aviludo-Louletano-Loulé Concelho), a 57.
6. André Cardoso, Por (ABTF-Feirense), a 01.00 minutos.
7. Delio Fernández, Esp (Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel), a 01.02.
8. Luís Fernandes, Por (Rádio Popular-Paredes-Boavista), a 01.14.
9. Barry Miler, EUA (Bai Sicasal Petro de Luanda), A 01.20.
10. Jokin Murguialday, Esp (Caja Rural), a 01.28.
(…)
15. Henrique Casimiro, Por (Efapel), a 02.09.
40. Vicente García de Mateos, Esp (Aviludo-Louletano-Loulé Concelho), a 12.46.
62. Tiago Antunes, Por (Efapel), a 20.27.
– Classificação geral, após a nona etapa:
1. Frederico Figueiredo, Por (Glassdrive-Q8-Anicolor), 38:13.17 horas.
2. Mauricio Moreira, Uru (Glassdrive-Q8-Anicolor), a 07 segundos.
3. Luís Fernandes, Por (Rádio Popular-Paredes-Boavista), a 01.52 minutos.
4. António Carvalho, Por (Glassdrive-Q8-Anicolor), a 02.21.
5. Alejandro Marque, Esp (Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel), a 04.19.
6. André Cardoso, Por (ABTF-Feirense), a 04.29.
7. Delio Fernández, Esp (Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel), a 05.19.
8. Jesus del Pino, Esp (Aviludo-Louletano-Loulé Concelho), 06.41.
9. Jokin Murguialday, Esp (Caja Rural), a 07.23.
10. Henrique Casimiro, Por (Efapel), a 09.15.
(…)
38. Vicente García de Mateos, Esp (Aviludo-Louletano-Loulé Concelho), a 39.54.
39. Tiago Antunes, Por (Efapel), a 40.30.
– Classificação por pontos:
1. Scott McGill, EUA (Wildlife Generation), 190 pontos.
2. João Matias, Por (Tavfer-Mortágua-Ovos Matinados), 168.
3. Mauricio Moreira, Uru (Glassdrive-Q8-Anicolor), 114.
– Classificação geral por equipas:
1. Glassdrive-Q8-Anicolor, Por, 114:41.39 horas.
2. Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel, Por, 16.55 minutos.
3. Rádio Popular-Paredes-Boavista, Por, 36.36.
– Classificação da montanha:
1. Frederico Figueiredo, Por (Glassdrive-Q8-Anicolor), 60 pontos.
2. Mauricio Moreira, Uru (Glassdrive-Q8-Anicolor), 53.
3. Joaquim Silva, Por (Efapel), 43.
– Classificação da juventude:
1. Jokin Murguialday, Esp (Caja Rural).
2. Hélder Gonçalves, Por (Kelly-Simoldes-UDO).
3. João Medeiros, Por (LA Alumínios-Credibom-MarcosCar).