Apenas duas semanas depois de a diagnosticarem com sarcoma de Ewing, uma forma rara e extremamente agressiva de cancro dos ossos, amputaram-lhe a perna esquerda. Estávamos em 2002 e Jacky Hunt-Broersma tinha 26 anos. À bulha raivosa que se espreguiçava na sua mente juntou-se a vergonha por ser diferente das outras pessoas. Foram anos complicados.
Passado muito tempo, em 2016, começou a correr e descobriu que a mente dilata e enrijece como os músculos. Então, decidiu correr uma maratona por dia para superar o recorde do Guinness, que pertencia a Alyssa Clark, uma mulher que correu 95 maratonas em 95 dias. “Sou uma pessoa de tudo ou nada”, admitiu à “BBC”.
A obra estava bem encaminhada, mas, depois, descobriu que Kate Jayden, uma inglesa de Derbyshire, capturou o tal recorde, com 100 maratonas em 100 dias — a britânica acabou por fazer 101 —, o que perfazia a distância que os refugiados sírios percorriam de Aleppo até ao Reino Unido. A ideia era sensibilizar para a questão da guerra e chamar à atenção para aqueles que fugiam dela, angariando ainda algum dinheiro para ajudar os necessitados.
Mas Jacky Hunt-Broersma, que nasceu e cresceu em Pretória, na África do Sul, não se sentiu intimidada e aceitou o desafio silencioso. Teria de correr mais do que havia planeado. E foi isso mesmo que fez, em corridas, caminhos inóspitos e até na passadeira: na sexta-feira, a africana de 46 anos alcançou a maratona consecutiva número 102, o recorde estava garantido (faltam as burocracias da organização). Ou seja, correu pelo menos 42 quilómetros diariamente, ao longo de cinco horas normalmente, desde meados de janeiro. Hunt-Broersma fechou a jornada nas 104 corridas seguidas.
Para além do recorde e de ter angariado mais de 80 mil euros para uma organização sem fins lucrativos que fornece próteses de corrida a amputados, a sul-africana garantiu outro triunfo. “Correr fez muita diferença no meu estado mental e mostrou-me o quão forte o meu corpo é”, disse na entrevista à “BBC”. “Deu-me uma nova aceitação total de quem eu sou e que consigo fazer coisas difíceis.”
- Texto: Tribuna do Expresso, jornal parceiro do POSTAL