Decorria a primeira etapa em linha da edição especial da Volta a Portugal, em 28 de setembro 2020, quando o algarvio de 38 anos protagonizou o momento distinguido pelo Comité Internacional para o Fair-Play (CIFP): perante uma queda coletiva, a 15 quilómetros da meta, nem hesitou e parou para ajudar Emanuel Duarte, que agora até é seu companheiro de equipa, mas na altura era um ‘rival’.
“Na chegada a Viana, a Santa Luzia, vínhamos a reorganizar a equipa para abordar a parte final da etapa, que é sempre perigosa e com muito stress. Vinha eu na parte de trás do pelotão e houve a queda coletiva. Eu, felizmente, consegui parar e ao ver um colega de profissão, que agora é meu colega de equipa, cair à minha frente, parei em segurança e aprontei-me a prestar-lhe auxílio, confirmei que estava tudo bem com ele e segui caminho”, recordou à agência Lusa.
David Livramento não pensou “muito naquele momento, nem no tempo que poderia perder”.
“Aconteceu a situação e o Emanuel foi o atleta que estava à minha frente. Simplesmente parei, ajudei, pus a bicicleta dele de pé, depois arranjei a minha, porque entretanto saltou-me a corrente com a travagem, e segui caminho”, disse, relevando que, além de não saber que a RTP “vinha a filmar a parte de trás do pelotão naquele momento da queda”, não pensava que se desse “muito valor a este tipo de atitudes ou gestos”.
Mas o Panathlon Clube de Lisboa soube do momento fair-play, deu conhecimento do mesmo ao Panathlon Internacional e esta entidade subscreveu a candidatura do ciclista natural de Cabanas de Tavira ao prémio, outorgado em 2020, mas recebido apenas no último mês de junho, em Budapeste, na Hungria, uma vez que a pandemia de covid-19 adiou sucessivamente a gala.
“Foi sendo adiada, mas entretanto já se conseguiu fazer a cerimónia. É uma gala especial, tem as pessoas mais importantes da Hungria e do Comité Internacional para o Fair-Play estão lá representadas. Quando recebi o troféu das mãos do secretário de Estado do Desporto da Hungria, senti orgulho das palavras dele. Disse que eu estava a fazer um trabalho exemplar no desporto”, contou.
Não escondendo que a distinção é um motivo de orgulho para si, para a Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel e “até mesmo para Portugal”, já que foi o primeiro atleta luso a receber o diploma World Fair-Play, na categoria “Pierre de Coubertin-Act”, o algarvio que é conhecido como ‘Ladomada’, pelos suas parecenças com o antigo ciclista italiano Michele Ladomada, garante ter “vontade de continuar a fazer um bom trabalho”.
“Afinal, o desporto ainda tem coisas boas e vamos tentar que os jovens peguem nestes exemplos, que consigamos transmitir estes exemplos a eles e que eles possam ser bons desportistas e, basicamente, boas pessoas. Os valores são mais importantes do que as vitórias e a saúde e o bem-estar de um colega ou de uma pessoa qualquer vale mais do que qualquer resultado desportivo”, defendeu.
A repercussão do prémio foi tanta que Livramento, depois de ter ‘honras’ de ‘estrela’ na Hungria – apareceu, inclusive, nos ecrãs gigantes da Duna Arena, onde decorreram os Mundiais de natação -, teve apoio extra na subida à Torre, no domingo, na terceira etapa da Volta a Portugal, sendo muito incentivado pelos adeptos que o aplaudiram mais do que nunca rumo ao ponto mais alto de Portugal continental.
Distinguido pela Câmara Municipal de Tavira e pela própria equipa, que lhe ofereceu uma bicicleta (vermelha) distintiva, o corredor sonha agora com a Medalha de Mérito Desportivo, outorgada pelo Governo português, que seria o corolário de uma carreira de dedicação aos outros.
“O ciclismo é um desporto de equipa e, às vezes, por muita qualidade que possas ter, nem todos podem ganhar e nem todos conseguem ganhar. Já consegui vencer, mas admito que não sou um vencedor e um líder como o Alejandro [Marque] é, ou o Frederico [Figueiredo, líder da Volta a Portugal] na Glassdrive. Alguém tem de trabalhar, e eu fico contente e feliz quando o líder ganha e te agradece esse trabalho que fizeste para ele”, resumiu, antes de completar: “Desfruto a andar de bicicleta e a ser profissional”.
(Ana Marques Gonçalves)