A artista plástica Lourdes Castro, uma das fundadoras do grupo artístico e da revista “KWY”, em França, morreu hoje, no Funchal, aos 91 anos, disse à agência Lusa fonte próxima da família.
A mesma fonte indicou à agência Lusa que Lourdes Castro morreu hoje de manhã no Hospital do Funchal, onde se encontrava internada há alguns dias.
Também o Governo Regional da Madeira confirmou a morte da artista à Lusa, e o secretário Regional do Turismo e Cultura da Madeira, Eduardo Jesus, lamentou o “momento triste para a cultura regional, nacional e internacional”.
“Lourdes Castro foi uma artista que marcou internacionalmente, através da sua intervenção, materializada em técnica, em obra, em mensagem, no olhar diferente sobre a realidade”, salientou.
Sublinhou ainda “a forma de representar esse entendimento [artístico], que era só dela, de uma forma muito singular, que marcou várias gerações”.
Lourdes Castro “deixou, acima de tudo, uma ideia que se deve reter: que o artista tem uma liberdade que não se esgota”.
“Esta é a maior mensagem que a artista nos deixa através dos seus trabalhos e da sua criação. É este conceito de liberdade associado à arte, que faz parte da cultura e a alimenta. Ela soube ser um agente artístico vivo durante muitos anos, que nos deu o privilégio de estar entre nós”, vincou ainda o secretário Regional.
A artista madeirense foi galardoada com a Medalha de Mérito Cultural em 2020 pelo “contributo incontestável” para a cultura portuguesa.
Também foi condecorada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em junho de 2021, com as insígnias de Comendador da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, “como reconhecimento de uma vida e uma obra notáveis, com prestígio internacional, que enobrece Portugal”.
Lourdes Castro nasceu a 09 de dezembro de 1930, no Funchal, ilha da Madeira, uma paisagem natural que deixou aos 20 anos para estudar em Lisboa, mas onde regressaria a partir de 1983 para viver em permanência, criando ali o seu refúgio.
A natureza era uma das suas grandes paixões, e com ela viveu uma estreita ligação que se projetou e entrelaçou profundamente no seu trabalho, nomeadamente na série “O grande herbário de sombras”/ “Le grand herbier d’ombres” (1972), reeditado em outubro de 2020 pela Sistema Solar/Documenta, com a Fundação EDP – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia.
Lourdes Castro iniciou estudos no Colégio Alemão, mas, aos 20 anos, partiu em direção a Lisboa onde frequentou o curso de pintura da Escola Superior de Belas Artes (ESBAL), terminado em 1956.
Em 1958, foi-lhe atribuída uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, o que coincidiu e ajudou o início da revista, impressa à mão, em serigrafia, “KWY” (1958-1963), de título composto por três letras que não existiam, na época, no alfabeto português, em torno da qual se formou o grupo homónimo de artistas que incluía também Jan Voss, Christo Javacheff, Costa Pinheiro, Gonçalo Duarte, José Escada e João Vieira.
A “aventura” foi recordada pelo Centro Cultural de Belém, em 2001, com um catélogo e uma exposição, comissariada por Margarida Acciaiuoli.
A obra de Lourdes Castro foi celebrada por exposições de caráter antológico como “Além da Sombra”, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, em 1992, e “Lourdes de Castro e Manuel Zimbro: a Luz da Sombra”, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, em 2010, reunindo mais de cinco centenas de peças da sua obra e da produção conjunta com Manuel Zimbro (1940-2003), seu companheiro por mais de 30 anos.
Fundação Gulbenkian lamenta morte de uma das mais notáveis artistas
A Fundação Calouste Gulbenkian lamentou hoje profundamente a morte de Lourdes Castro, que considerou “uma das mais notáveis artistas portuguesas contemporâneas”.
A artista plástica foi bolseira da Fundação Gulbenkian, onde as suas obras foram motivo de várias exposições.
Em comunicado, o Conselho de Administração da Fundação lamenta a morte da artista e a presidente da instituição, Isabel Mota, refere o percurso da artista como “exemplo eloquente da força do trabalho e do universo singular que um grupo de artistas portuguesas projetou internacionalmente ao longo da segunda metade do século XX e que ficará como referência para futuras gerações”.
“A Fundação Calouste Gulbenkian orgulha-se de ter acompanhado a sua carreira ao longo de seis décadas. Foi bolseira da Fundação em 1957 e 1958 e a sua obra, amplamente representada na Coleção do Centro de Arte Moderna, foi objeto de inúmeras exposições individuais e de grupo desde a sua criação”, lê-se no comunicado.
“Além da Sombra” (com participação de Manuel Zimbro) foi a primeira grande retrospetiva do seu trabalho, no Centro de Arte Moderna em 1992, lembra a Gulbenkian, como lembra a exposição no mesmo local “Grande Herbário de Sombras”, em 2002.
E recorda também a exposição de 2015 “Todos os livros”, incidindo particularmente na dimensão menos visível dos livros da artista, ou mais recentemente, em 2019, a retrospetiva da obra de Lourdes Castro no sul de França, com o apoio da Gulbenkian em Paris.
E no ano passado parte da obra da artista foi apresentada na exposição “Tudo o que eu quero – Artistas portuguesas de 1900 a 2020”.
“A obra de Lourdes Castro construiu-se em torno de uma relação íntima estabelecida com a Natureza, a artista soube transformar esse estado de atenção ao mundo natural numa ação artística, precoce para o seu tempo”, diz a Fundação no comunicado.
Primeiro-ministro recorda “artista singular e surpreendente”
O primeiro-ministro, António Costa, manifestou hoje “enorme tristeza” pela morte da artista plástica madeirense Lourdes Castro, que recordou como uma “artista singular e surpreendente”.
“Artista singular e surpreendente, Lourdes Castro sempre se guiou por uma liberdade jovial e pela busca de uma arte da vida. Em 2019, inaugurámos nos jardins de São Bento um painel de azulejos figurando uma das suas sombras projetadas. A sua morte deixa uma enorme tristeza ”, refere o primeiro-ministro, numa mensagem na sua conta da rede social Twitter.
Marcelo e Ferro manifestam pesar
O Presidente da República e o presidente da Assembleia da República manifestaram hoje o seu pesar pela morte da artista plástica madeirense, Lourdes Castro.
Numa nota publicada no ‘site’ da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa classificou Lourdes Castro – que condecorou em junho passado – como “uma das mais inconfundíveis artistas portuguesas”.
“Nascida na Madeira, Lourdes Castro estudou Belas-Artes em Lisboa, casou-se com René Bertholo e viveu em Munique, Berlim e Paris. Em 1958, fundou a revista KWY, e essas três letras do alfabeto, pouco habituais em português, anunciavam todo um programa cosmopolita, desalinhado e moderno ”, recorda a nota de Belém.
O texto do chefe de Estado referência que, regressada à Madeira em 1983, com Manuel Zimbro, Lourdes Castro “dedicou-se a livros de artista, álbuns de família, memoriais da história e do quotidiano, coleções de lugares e de plantas, sem abandonar uma das suas marcas autorais: a dialética da luz e das sombras (concretas, sugeridas, projetadas, esfumadas, transfiguradas) ”.
“Figura discreta, mas muito admirada, tomada nas últimas décadas diversas prémios (EDP, Vieira da Silva, AICA) e reconhecimentos tendo sido condecorada pelo Presidente da República em junho passado com a Ordem Militar de Sant’Iago da Espada”, refer a nota , que recorda várias retrospetivas de que foi alvo.
Também o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, manifestou o seu “sentido pesar” pelo falecimento de Lourdes Castro, aos 91 anos, no Funchal.
“Nome incontornável da pintura portuguesa contemporânea, Lourdes Castro deixa uma vasta obra, marcado pela abstração e pelo novo realismo e que conhece, no dealbar da década de 1960, o tema da sua eleição: a sombra”, destaca a nota de Ferro Rodrigues .
O presidente do parlamento recorda ainda as “características” em que participou ou que lhe foram dedicadas, como a retrospetiva “Além da Sombra”, promovida em 1992 pela Fundação Calouste Gulbenkian, ou outra acolhida na Assembleia da República em 2018 (“Arte, Resistência e Cidadania “), no âmbito das Comemorações de 25 de Abril de 1974 e dos 40 Anos da Bienal de Cerveira,“ na qual uma das suas obras assumiu lugar central no edifício-sede do Parlamento ”.
“Em meu nome e no da Assembleia da República, endereço à sua família e amigos como mais sinceras condolências”, acrescenta o texto de Ferro Rodrigues.