Ao longo dos séculos, a presença portuguesa espalhou-se por vários continentes, deixando marcas visíveis na arquitetura, na língua, nas tradições e até nos hábitos alimentares de diferentes povos. Do Brasil à Índia, passando por África e pelo Sudeste Asiático, são muitos os locais onde o passado luso ainda hoje se faz sentir. Entre os exemplos mais curiosos, há uma cidade fortificada em Marrocos, a pouco mais de uma hora de Portugal, que foi, durante mais de dois séculos, território português e se tornou um destino turístico famoso.
Mazagão
Atualmente integrada na cidade de El Jadida, Mazagão situa-se a cerca de 90 quilómetros a sul de Casablanca. Esta antiga colónia portuguesa foi fundada no início do século XVI e permaneceu sob administração lusa até 1769, ano em que foi entregue ao sultão de Marrocos após a retirada das tropas portuguesas. O nome atual, El Jadida, que significa “A Nova”, foi atribuído na sequência da reconstrução marroquina da cidade, após o abandono português, refere a VortexMag.
Tradição portuguesa ainda visível
Apesar da transição de domínio, vários traços da presença portuguesa mantêm-se bem visíveis. Entre os mais emblemáticos estão a Igreja da Assunção, com inscrições em português, a cisterna de estilo manuelino, fragmentos do antigo Palácio dos Governadores (hoje convertido em mesquita) e as muralhas que cercam o centro histórico. Este conjunto arquitetónico é uma das memórias mais bem preservadas da expansão portuguesa no norte de África.
Foi em 1514 que D. Manuel I mandou construir o primeiro castelo de Mazagão. No entanto, mais tarde, D. João III considerou necessário reforçar a defesa da cidade e encarregou o engenheiro italiano Benedetto de Ravena de redesenhar a fortificação. O novo projeto deu origem, em 1541, à primeira fortaleza de arquitetura militar renascentista construída fora da Europa, tornando Mazagão uma referência na engenharia militar do seu tempo, segundo a fonte acima citada.
El Jadida preserva esse legado
Mazagão, agora um destino turístico, serviu de modelo para outras praças-fortes portuguesas em África, graças ao seu traçado regular e à localização estratégica junto à costa atlântica. Dentro das muralhas, havia hospital, igrejas, armazéns, celeiros, uma grande cisterna, serviços administrativos e zonas residenciais. Hoje, El Jadida conta com cerca de 214 mil habitantes e é um dos destinos turísticos mais procurados de Marrocos.
A cidade antiga de El Jadida foi classificada como Património Mundial da UNESCO em 2004 e, em 2009, foi eleita como uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo. A sua beleza natural, combinada com o património histórico, pode torná-la num destino apelativo para quem deseja conhecer a história lusa fora de Portugal.
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Mistura de culturas e tradição viva
El Jadida é, desde há séculos, um espaço de convivência entre culturas e religiões. Muçulmanos, judeus e cristãos partilharam o mesmo território, o que deu origem a uma identidade cultural própria, refere a fonte acima citada. Além das atrações históricas, destaca-se o porto, que acolhe atividades piscatórias, náuticas e de recreio. Já o porto industrial de Jorf Lasfar, a 17 quilómetros, é um dos mais importantes de África.
O clima ameno também contribui para esta cidade se ter tornado um destino turístico muito visitado. Segundo a Vortexmag, entre janeiro e abril, as temperaturas rondam os 25 °C e em agosto podem atingir os 40 °C. As praias tranquilas, o ambiente acolhedor e a boa gastronomia fazem de El Jadida um destino de férias para todo o ano. Em 1988, foi assinado um protocolo de cooperação com o Município de Sintra, reforçando os laços históricos entre Portugal e Marrocos.
E os portugueses que viviam em Mazagão?
Após o terramoto de 1755, que afetou também a costa africana, Portugal perdeu capacidade para manter a fortaleza de Mazagão, agravada pelos ataques marroquinos constantes. A solução encontrada foi transferir toda a população portuguesa da cidade para o Brasil, numa decisão inédita na história do país.
Mazagão no Brasil
Entre 1770 e 1773, cerca de duas mil pessoas, organizadas em 470 famílias, foram levadas para o norte do Brasil, onde fundaram Mazagão Velho, no atual estado do Amapá. O objetivo era recriar ali a vida e a estrutura da antiga fortaleza africana. No entanto, as difíceis condições da floresta amazónica e os desafios logísticos acabaram por levar ao abandono do projeto em 1783.
Apesar disso, a transferência de uma cidade inteira de África para a América continua a ser um caso único na história. A coragem das famílias que participaram nesta mudança é recordada anualmente em Mazagão Velho, durante a Festa de São Tiago, com encenações históricas que representam as batalhas entre mouros e cristãos, mantendo viva a tradição da antiga Mazagão.
Custo de vida acessível
Hoje, El Jadida continua a ser um destino turístico acessível para visitantes portugueses. O custo de vida é significativamente mais baixo do que em Portugal. Uma refeição para duas pessoas ronda os 17,50€, um bilhete de transporte custa em média 0,43€ e o arrendamento de um apartamento de um quarto no centro da cidade ronda os 196€ mensais, segundo o portal Numbeo.
Mazagão é, por isso, muito mais do que uma curiosidade histórica. Representa um elo real entre Portugal, Marrocos e o Brasil, onde a memória da presença portuguesa se mantém viva. Seja nas muralhas de El Jadida ou nas festas populares do Amapá, a herança de Mazagão continua a fazer parte da identidade de todos os que cruzaram oceanos em nome da história.
Feito militar dos portugueses
A cidade de Mazagão foi palco de um dos mais notáveis feitos militares portugueses em solo africano: o Grande Cerco de 1562. Durante esse episódio, uma força marroquina estimada em 150 mil homens cercou a fortaleza portuguesa por mais de dois meses.
Sob o comando de Rui de Sousa de Carvalho, os cerca de 3 mil defensores resistiram bravamente, infligindo pesadas baixas ao inimigo e mantendo a posse da cidade.
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