“O Algarve não é só turismo, tem muito mais para oferecer além da praia e do sol”. A afirmação de Viviane, ex-vocalista dos Entre Aspas e artista em nome próprio, na primeira conferência do evento South Music, que juntou a indústria musical em Faro nos últimos dois dias, parece dar o mote para o evento que foi convidada a amadrinhar.
A capital algarvia recebeu, a 15 e 16 de junho, aquele que poderá ser o primeiro passo para uma descentralização de oportunidades para os músicos da região e um empurrão para a cidade se tornar Capital Europeia da Cultura em 2027.
Organizada em conjunto pelo Teatro das Figuras e a Câmara Municipal de Faro, a iniciativa recebeu, além de músicos consagrados e novos valores (foram 33 os projetos locais, bandas e artistas individuais, a apresentar-se em palco), representantes de editoras multinacionais e independentes, promotoras de espetáculos, agentes e meios de comunicação especializados.
Dino D’Santiago, que tal como Viviane, Nuno Guerreiro (Ala dos Namorados), Júlio Resende e o contrabaixista Zé Eduardo, integra o grupo de embaixadores do South Music, olha para o evento como uma forma de acabar com o estigma que persegue os artistas algarvios há décadas. “Havia a ideia de que os artistas do Algarve só serviam para os bares e os hotéis”, defende em conversa com a BLITZ, “nada contra, é um trabalho digno, mas sinto que matas o propósito quando não serves a arte. Quando és obrigado a reduzir o teu nível de entrega na criação, porque normalmente quando tocas nos bares é muito a réplica e a reprodução do que já existe, matas o artista. Eu fui um desses artistas”.
“Graças ao hip-hop consegui que a criatividade sobrevivesse, que se mantivesse, e depois a vida deu-me estrada e levou-me a estes sonhos”, acrescenta o músico, que viveu onze anos no Porto e vive há sete em Lisboa. “É bom saber que tens um município que quer apoiar esse processo de criação. E agora só espero que todos os municípios, os 16 do Algarve, se juntem e que isto deixe de ser só regional e passe a ser nacional, numa próxima etapa. Temos muito ainda para mostrar, de norte a sul do país. E já que o Algarve foi sempre escolhido como um ponto turístico, vamos utilizar essa mesma rota turística para servir a arte”.
Viviane, Zé Eduardo, Júlio Resende e o moderador Júlio Ferreira (Choque Frontal) na conferência do South Music que juntou os embaixadores do evento – Fotos ETIC_ALGARVE | D.R.
Dino D’Santiago, Nuno Guerreiro e o moderador Ricardo Coelho (Choque Frontal) na conferência do South Music que juntou os embaixadores do evento
Dino D’Santiago no showcase dos embaixadores do South Music – Foto ETIC_ALGARVE / EPOPEIA | D.R.
Zé Eduardo no showcase dos embaixadores do South Music – Foto ETIC_ALGARVE / EPOPEIA | D.R.
Nuno Guerreiro, Júlio Resende e Viviane no showcase dos embaixadores do South Music – Foto ETIC_ALGARVE / EPOPEIA | D.R.
Paulo Santos, vice-presidente da Câmara Municipal de Faro, que tem o pelouro da Cultura, garante que o South Music não se esgota nos dois dias do evento e que tem como tarefa alargada “caracterizar o tecido musical do Algarve” e transformar-se numa plataforma que ajude a divulgar, promover e ligar os agentes musicais da região. “Neste processo, fomos pondo um bocadinho a mão na consciência e percebendo que, se calhar, afinal, antes da pandemia não contratávamos os nossos artistas com a regularidade que devíamos contratar. Valorizávamos o trabalho deles da forma que devíamos valorizar ou não? Claramente não. No Festival F sempre tivemos como norma, desde início, ter slots disponíveis, nos 60 concertos, para bandas algarvias, mas noutros momentos não olhávamos para as bandas da região como devíamos olhar”.
A pandemia, segundo o autarca, e o “desemprego forçado” por ela trazido, terá ajudado os músicos que se dedicavam a tocar em bares e hotéis a ir “à gaveta buscar aqueles projetos que foram ficando em stand by porque tinham de ganhar o dia-a-dia cantando músicas de outros”. “Nesse sentido, sentimos que havia um crescimento de qualidade da música algarvia e um conjunto de bandas que surgiram em fase de pandemia. Foi por esse motivo que surgiu a questão do South Music”. Dino D’Santiago subscreve a ideia, garantindo que há muito mais músicos algarvios além dos que o país já conheceu. “Um South Music aumenta muito mais o leque e as probabilidades. Do Algarve, já tinhas um Diogo Piçarra, uma Aurea, um Nuno Guerreiro e uma Viviane, depois vim eu. E eu sei que somos muitos mais, de barlavento a sotavento”.
“Se não fosse ter conhecido o Virgul, que me trouxe outra visão lá de cima, eu não acreditaria que um dia seria possível viver da música ou tornar-me um artista conhecido a nível nacional sendo do Algarve”, confessa o músico de Quarteira, “e acho que, como eu, muitos foram os artistas que assim pensaram também e que ficaram com aquela imagem que só se saíssem do Algarve iam ter oportunidade de ter pessoas a olhar para o trabalho delas”. Apesar de assumir que “Lisboa continua a ser um bocadinho passagem obrigatória para quem está a começar”, Viviane acredita que muita coisa mudou desde os anos 80 e 90: “não ser de Lisboa não é impeditivo de ter uma carreira. É uma questão de investimento, também. Já não há tanta dependência de Lisboa como havia há uns anos”.
Além da conferência que juntou os embaixadores do South Music, que abriu o programa na passada quarta-feira, foram vários os debates que, de forma ampla, fizeram um ponto de situação da indústria musical portuguesa, a atravessar, neste momento, uma série de desafios. Editoras multinacionais e independentes debateram a alteração dos hábitos de consumo de música, com o advento do digital; entidades responsáveis pela gestão de direitos de autores e artistas falaram sobre as formas mais eficazes de distribuir esses direitos neste momento crucial de pandemia; músicos como Miguel Araújo e John Gonçalves (dos Gift) falaram, por experiência própria, sobre os desafios de gerir a carreira por meios próprios; programadores de festivais falaram sobre a aposta em artistas nacionais nos seus eventos.
Os 33 artistas que subiram aos palcos do South Music, montados no mesmo espaço que habitualmente recebe o Festival F, foram apenas uma pequena parte dos 120 que se candidataram ao evento. A intenção, daqui para a frente, é promover a formação dos artistas algarvios, com um plano de formação que passa por workshops e uma academia, e ajudar, também à “itinerância” dos artistas, não apenas músicos, para fora das fronteiras do concelho de Faro.
“Muitas vezes, para conseguirem ir lá fora, os artistas precisam de ter dinheiro para gasóleo, para alugar uma carrinha, para um alojamento, para o avião, para a alimentação. A intenção é que as bandas se candidatem e vamos atribuir uma bolsa para que possam tentar ir para fora do concelho”, explica o vice-presidente da Câmara de Faro, garantindo que haverá um “orçamento com um valor substancial” para o efeito. Quanto à candidatura Faro2027, que tem como fim levar Faro a ser Capital Europeia da Cultura, o autarca garante: “não é um fim, é o início de um processo de transformação, reconhecimento e aposta na cultura. Se uma sociedade não tiver um tecido cultural forte, como vai ser a nossa identidade no futuro? Como nos vamos desenvolver como sociedade?”.
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