O Festival Verão Azul chega este ano à 10.ª edição e celebra uma década dedicada à descentralização e criação em arte contemporânea, e suas variantes e cruzamentos.
De 4 e 20 de Novembro, em Lagos, Loulé e Faro, o festival transdisciplinar de artes contemporâneas apresenta 29 surpreendentes propostas artísticas em áreas como fotografia, música, teatro, performance, cinema, entre outras, continuando a promover a forte criação e difusão de expressões artísticas e singularidades estéticas na região do Algarve.
Com direcção artística da dupla de artistas Ana Borralho e João Galante e curadoria de Catarina Saraiva, em 2021, a programação do Verão Azul centra-se em temas da contemporaneidade como o ambiente, os direitos humanos, a igualdade e a precariedade, através do que de mais experimental se faz na produção artística nacional, internacional e local.
Seguindo a lógica de interligação entre municípios do eixo Barlavento-Sotavento algarvio, em cada semana do evento, uma cidade será o centro do festival, com a missão de sensibilizar e de aproximar a comunidade às novas formas de arte. Com esse intuito, o programa aposta forte numa componente educativa, apresentando uma lista extensa de propostas para escolas e famílias.
No arranque do festival, a dia 4 de novembro, “Faro Oeste”, a nova exposição da fotógrafa Pauliana Valente Pimentel, lança um olhar empático e intimista das comunidades ciganas locais, nomeadamente as das zonas de Faro, Loulé e Boliqueime. Esta nova colecção de fotografias vê o quotidiano destas famílias, realçando as suas tradições, com o intuito de combater preconceitos e estereótipos racistas e xenófobos de que são constantemente alvo. A mostra permanece em exibição até 19 de Dezembro, no Museu Municipal de Faro.
No Teatro das Figuras, o artista multidisciplinar M̶i̶g̶u̶e̶l̶ Bonneville, na performance “A Importância de Ser Alan Turing”, prossegue o projecto de uma série de espectáculos sobre as vidas e obras de artistas e pensadores cuja importância tem sido vital no seu percurso artístico. Neste trabalho, Bonneville toma como ponto de partida Alan Turing (1912-1954), o matemático, criptoanalista e cientista da computação de primeira geração.
Fruto do desafio feito pelo Verão Azul para três residências de criação, o colectivo de música catalão ZA! estreia “Cantos de Trabalho Impossíveis” – um concerto-fanfarra ou um espectáculo-percurso. Eduard Pou e Pau Rodríguez, actualizam o repertório tradicional das canções de trabalho algarvias centradas na agricultura e na pesca, que serão apresentadas numa caminhada, do hotel ao centro comercial, terminando no Teatro das Figuras, em Faro. O resultado é uma obra etno-musicológica feita através da experimentação e do humor, com a participação de cantores e improvisadores locais. Também em Faro.
Em Loulé, Tiago Gandra e de Daniel V. Melim, responsáveis pelo projecto Galeria de Arte Ambulante, estão ao volante do “Centro Cultural do Carro”, que é, simultaneamente, uma performance e uma exposição de artes plásticas. A partir de um velho Mercedes Benz, objecto automobilístico considerado em desuso, descobrem-se obras de arte nos seus mais ínfimos espaços interiores e exteriores. Uma galeria ambulante que junta peças pouco conhecidas de artistas consagrados às de artistas algarvios, para uma reflexão poética sobre o contexto de criação e a difícil relação da arte com o mercado. Os artistas promovem ainda duas actividades dedicadas ao público mais novo, em que este é convidado a transformar um carro num objecto de exposição.
No Centro Cultural de Lagos, em “Válvula”, o ilustrador António Jorge Gonçalves e o MC e activista Flávio Almada aka LBC Soldjah dirigem-se aos adolescentes, jovens e adultos com uma conferência-performance a partir da história do graffiti e do rap para nos transportar numa viagem com diversas perguntas que se cruzam com os direitos sociais e humanos. Ambos são ainda os condutores de masterclasses para jovens: António Jorge Gonçalves vai explicar o método e a dinâmica performativa do desenho digital em tempo real e Flávio Almada partilhar uma experiência exploratória e participativa no universo do hip-hop, por via do ritmo, de técnicas de escrita e da improvisação.
Com uma grande componente infanto-juvenil, o festival revela as “Histórias Magnéticas”, o projecto do guitarrista e compositor Sérgio Pelágio dedicado à composição de bandas sonoras para histórias infantis. Ao longo do Verão Azul o músico faz-se acompanhar da narração de Isabel Gaivão para, juntos, apresentarem um conjunto de histórias para guitarra eléctrica e voz, onde sobressaem temas como o ambiente, a democracia e os sonhos, seguido de uma oficina criativa para crianças.
A comunidade artística local também é chamada a intervir no Verão Azul. Através de uma convocatória a criadores que participaram no Programa de Formação Artística desenvolvido pelo festival em 2020, este ano a programação conta com Flávio Martins e José Jesus, com a performance sonora “Orelhas de Burro”, António Guerreiro e Carolina Cantinho, com o espectáculo de teatro e dança “Chama-se Amor, Amor”, e João Caiano e Martim Santos, com a peça de teatro “Ele Escreveu por 25 Tostões”.
Quem também mergulha no Verão Azul, de volta a Loulé, é o encenador brasileiro Alex Cassal, que traz “A Biblioteca do Fim do Mundo” – um espectáculo que recria a última noite antes do apocalipse, concebido para ser apresentado em bibliotecas, também com a participação da população local (uma ligação estabelecida durante a fase de criação no âmbito da residência artística Verão Azul).
Neste mar cristalino, somos ainda confrontados com o alerta à devastação e à alteração da paisagem portuguesa, no poema visual da realizadora italiana Luciana Fina. “Questo è il piano” é um filme que pretende provocar um debate urgente sobre o ambiente.
Segundo a curadora Catarina Saraiva, “este ano focamos a atenção no encontro, na possibilidade de que cada peça permita criar um espaço para que cada espectador possa encontrar o seu íntimo e a sua alegria. Nesta edição trabalhámos para conseguir chegar a alguma felicidade, àquela que nos permita ter consciência da importância de viver. E de percebermos como por vezes, explodir não é negativo”.
Produzido pela associação cultural casaBranca, o Verão Azul tem financiamento da DG Artes e Câmara Municipal de Lagos, contando com co-produção com o Teatro das Figuras de Faro e a Câmara Municipal de Loulé.
Num mundo em constante mudança e sufoco, prestes a implodir, a transdisciplinaridade das artes contemporâneas apela ao despertar para uma inadiável e necessária transformação.
Sobre o Festival Verão Azul
A 1.ª edição realizou-se em 2011 durante 4 dias, em Lagos, com uma programação essencialmente nacional. Sempre com direcção artística de Ana Boralho e João Galante, desde então, o festival estendeu-se também ao sotavento algarvio.
Afirmando-se como um evento de características únicas na região, tem apresentado de forma continuada projectos de teatro, dança, performance, música, cinema e artes visuais, conciliando obras de artistas nacionais e estrangeiros, com um percurso já firmado e reconhecido, com projectos de jovens criadores de carácter mais experimental.
Em 2018, abriu um novo ciclo e passou a festival bienal. Nos seus anos intercalares, dedica-se a trabalhar, juntamente com artistas convidados, a sua intenção artística de descentralização e aprofundamento de relações com os contextos, as comunidades e o tecido artístico locais, promovendo residências de criação, laboratórios de pesquisa e co-produções, cujos resultados serão apresentados em cada edição do festival.