













A personalidade literária criada por Fernando Pessoa, Maria José, foi homenageada nas ruas de Tavira na passada quarta-feira, dia 16 de Maio. Já ao fim da tarde, a bonecreira Mericia Lucas percorreu as ruas de Tavira com as suas marionetas, ao som do acordeão de Argenis Nunes. O objectivo era chamar as pessoas para a peça de teatro que se realizaria um pouco mais a diante, em frente à Casa Álvaro de Campos, em plena zona histórica de Tavira.
Mericia e Argenis são vislumbrados a subir a rua, enquanto uma plateia de cerca de 40 pessoas espera por eles. Argenis vai tocando música popular no seu acordeão e Mericia apresenta as suas marionetas a dançar ao som da mesma. Reparamos então em três marionetas, um homem e uma mulher que dançam felizes e uma jovem corcunda sentada que os observa infeliz.
Surge uma rapariga à janela da habitação em frente à Casa Álvaro de Campos. Nesse momento, os olhares dos espectadores que se encontram sentados, atentam ao primeiro andar da habitação. Aparece uma projecção, na parede da mesma casa, que nos apresenta o título do texto “A Carta da Corcunda para o Serralheiro”. É neste instante que as coisas fazem sentido, a rapariga à janela é a Maria José e as marionetas representam o serralheiro, a sua amada e a jovem doente.
Susana Neves é a actriz que interpreta a jovem corcunda, tuberculosa e apaixonada pelo serralheiro da rua. Apresenta-se à janela com uma camisa vermelha, olhar distante, cabelo mal apanhado e despenteado. É apenas com um papel branco na mão e algumas lágrimas no rosto que vai interpretando eximiamente o texto. Durante a actuação a projecção vai passando o texto traduzido para inglês.
No final, Maria José desce da casa, reúne-se com Mericia e Argenis e juntos, ao som do acordeão e das palmas vão desaparecendo rua acima.
“O maior poeta do mundo”
Tela Leão, organizadora deste evento, é presidente da Associação Partilha Alternativa. Esta actriz, apaixonada por Fernando Pessoa e Álvaro de Campos, apresentou este projecto à Câmara de Tavira com o intuito de o integrar no Festival Viva Primavera. Esta actuação, embora sem as marionetas já tinha sido apresentada nas comemorações do aniversário de Álvaro de Campos, a 15 de Outubro
Tela Leão afirmou ao POSTAL que esta iniciativa pretendeu apresentar um texto pouco conhecido de Fernando Pessoa, mas com uma enorme importância, devido a Maria José ser a única personalidade literária feminina conhecida nas obras de Fernando Pessoa.
Já Fernanda Guerra, presidente da Casa Álvaro de Campos que cedeu o espaço para a performance, enaltece este momento, referindo ao POSTAL que, para além de Fernando Pessoa ser “o maior poeta do mundo”, o facto de Álvaro de Campos ter nascido em Tavira dá à cidade “um grande património” que tem de se conservar”.
“Chorei. Absolutamente fantástica”
Quanto às reacções por parte do público, não poderiam ter sido melhores. Por um lado, o facto de o texto estar traduzido para inglês possibilitou aos turistas que estavam de passagem aperceberem-se do que estava a acontecer, acabando muitos deles por se sentarem com o resto do público.
Siobhán é um desses exemplos. A irlandesa confessou ter chorado com a prestação da actriz, considerando mesmo a performance como “absolutamente fantástica e espectacular”. Para Jane Gibbin, do País de Gales, este teatro foi muito interessante uma vez que permite dar a conhecer “a cultura de Portugal e de Tavira”.
Para o poeta Eduardo Vaz, os heterónimos de Fernando Pessoa apresentam-lhe “uma atmosfera poética muito rica”. Para este residente de Tavira, o teatro esteve “muito bem encenado”, proporcionando-lhe um “belo espectáculo poético”.
Já Vítor Martins admitiu ter “retirado sonhos” após a apresentação do texto.
“É o apogeu de não ser ninguém”
A protagonista, Susana Nunes, é actriz há 15 anos e diz gostar muito de Fernando Pessoa, contudo, não tinha conhecimento do texto que apresentou.
“O que este texto tem de complexo é a sua simplicidade, é o ser trágico. Como é que eu digo de uma forma simples? Está lá tudo nas palavras. Não é necessário grande melodrama. Esse foi o desafio”, afirmou a actriz que fez o papel de Maria José.
“Este texto é o apogeu de não ser ninguém. É impossível não me emocionar com ele. Não há textos fáceis de interpretar, mas este é particularmente difícil”, rematou Susana Nunes ao POSTAL.
(Maria Simiris / Henrique Dias Freire)