A criação de transvases de água para zonas afetadas pela seca, como o Algarve, é uma solução que só deve ser aplicada quando houver uma eficiência total no aproveitamento hídrico da bacia hidrográfica recetora, defendeu uma investigadora.
Manuela Moreira da Silva, do Centro de Investigação Marinha Ambiental da Universidade do Algarve (UAlg), disse à Lusa que, antes de se pensar na construção de transvases de uma bacia hidrográfica para outra, há um conjunto de medidas que podem ser adotadas, como o combate às perdas, a reutilização de água tratada ou a criação de estruturas que favoreçam a sua retenção.
“Temos que olhar para os transvases de uma forma desapaixonada, baseada em dados reais e tendo presente que, se nós vamos a uma bacia hidrográfica doadora buscar água para a colocar numa bacia recetora, nós temos de ter um enorme compromisso de eficiência do uso por parte da bacia recetora”, afirmou.
Em outubro, o presidente da Câmara de Olhão e da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), António Miguel Pina, disse que era preciso “romper com o preconceito de fazer transvases do Norte para o Sul”, pois “a água que cai no Norte tem de chegar ao Sul”.
Segundo Manuela Moreira da Silva, é importante olhar para os transvases de água de uma forma informada e “à luz da experiência e da tecnologia” existente, tendo no centro a “necessidade das pessoas” e “acautelando a perda de biodiversidade”.
Para a investigadora da UAlg, é preciso “olhar para um rio não como um canal de água”, mas como um “ecossistema aquático complexo, cheio de biodiversidade” e onde se desenvolve “toda a socioeconomia” de uma região.
“Quando nós falamos de transferir água – porque na realidade, ao transferirmos água, nós vamos transferir água e toda vida que lá existe – de uma bacia hidrográfica para outra, há aqui um conjunto de aspetos que devemos analisar com muita cautela”, alertou, apontando como necessário perceber se a água já está a ser gerida de forma eficiente na bacia hidrográfica recetora.
Manuela Moreira da Silva sustentou que, na maior parte das situações, o uso da água é feito de “uma forma completamente irresponsável” e, se a muita água que é perdida não o fosse, a questão dos transvazes não se estava a discutir.
A investigadora deu o exemplo do Algarve, onde a agricultura gastou no último ano 56,8% dos 237 milhões de metros cúbicos anuais do consumo regional e se chega a perder, em alguns empreendimentos, cerca de 30 a 40% da água.
“A primeira questão a analisarmos é se o grande consumidor de água que viria de um transvase, que seria a agricultura, já está a utilizar a água da nossa bacia hidrográfica de uma forma eficiente. E se for fazer esta análise, verifica que há um enorme espaço de melhoria para sistemas de adução e sistemas de rega nas nossas culturas agrícolas”, argumentou.
Aproveitar água tratada das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) para rega de campos de golfe e pomares, a recuperação de água descartada por piscinas municipais ou o reforço da aposta na dessalinização, são também soluções que permitem ir buscar água “sem depender de outra bacia hidrográfica exterior”, apontou.
“Se nós criarmos um transvase, como é que o vamos gerir? Quais vão ser as nossas regras de governança, o volume de água a transferir vai depender de quê? E depois vai-se pôr outra questão: quem é que vai pagar uma obra desta envergadura, que é uma obra caríssima, não só do ponto de vista ambiental, mas também financeiro? Vai ser a bacia que recebe a água?”, questionou.
Manuela Moreira da Silva defendeu que “faz muito mais sentido” desenvolver para cada bacia hidrográfica um plano de eficiência hídrica coerente com as necessidades das pessoas e com cada realidade sociocultural, que respeite a biodiversidade e “comprometa o cidadão comum e o empresário a gerir a água que na sua região existe de uma forma responsável e eficiente”.
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